ACESSO À JUSTIÇA: DIREITO HUMANO OU ILUSÃO FUNCIONAL?

Em determinada cidade do Cariri paraibano, os cidadinos não procuram o Judiciário para resolver seus imbróglios jurídicos, mas as redes sociais. Realizam verdadeiros escrachos públicos do tipo: não paga as […]



Em determinada cidade do Cariri paraibano, os cidadinos não procuram o Judiciário para resolver seus imbróglios jurídicos, mas as redes sociais. Realizam verdadeiros escrachos públicos do tipo: não paga as contas, mas viaja para praia! Não paga o que me deve, veaca, mas vive luxando! Daí pra pior! Quando questionadas tais atitudes, a reposta foi rápida: Dr., aqui não tem juiz!

Uma das funções do Direito é identificar o que é o Direito. O Direito é aquilo que o Direito diz ser o Direito, disse Niklas Luhmann. Mas o Direito para ser dito como Direito necessita do judiciário para afirmar isso. Os códigos, as leis, as constituições são amontoados de letras que só constroem significados quando interpretados e aplicados pelo Judiciário, já observava De Giorgi. 

Então, como afirmar o Direito numa comarca que não tem juiz. Aliás, no caso em questão o juiz existia uma vez por semana, quando ele chegava de outra comarca para resolver pendências de urgência. E nos anos pré-pandemia, duas comarcas de cidades vizinhas foram fechadas e transferidas suas competências para a cidadezinha do Cariri. Dessa forma, quem mora na zona rural da cidade X, cerca de 20 km, agora tem que deslocar mais 20 km para ter acesso ao juiz a cada 8 dias, se o caso for de urgência. Não precisa explicar que a situação piorou e as redes sociais serão mais uma vez o espaço de autotutela.

Só de 2019 para 2020 o Tribunal de Justiça da Paraíba desativou ou transferiu 25 varas na Paraíba. Isso mesmo, vinte e cinco! Só de imediato, em 2019, 15 comarcas foram extintas, depois mais 10 desinstaladas ou transferidas para outras comarcas. Os principais motivos são economia financeira e otimização dos serviços. O então presidente do TJPB afirmou que o Tribunal economizaria cerca de R$ 13 milhões por ano. Essa decisão não foi isolada na Paraíba, vários Tribunais no Brasil fizeram a mesma coisa.  

Afirmaram que diminuindo as varas e comarcas, ou seja, diminuindo os juízes, a Paraíba teria mais economia e eficiência, produziria mais, assim, garantindo o Direito Constitucional de acesso à justiça a todos e todas. Peraí!, aumentar o acesso à justiça diminuindo as varas e comarcas? Afastando o Judiciário dos cidadinos?

No ano de 2020, o Conselho Nacional de Justiça publicou o relatório Justiça em Números[1] e atestou mais uma vez ao TJPB como o pior tribunal estadual do país no índice de produtividade. O TJPB é o Tribunal menos produtivo do país, ou seja, de menos acesso à justiça no Brasil. Além de não ter acesso direto ao Tribunal, os processos são os mais lentos do país. A solução apresentada pelo presidente do TJPB foi reduzir o próprio tribunal em presença física no território paraibano. O TJPB optou pelo caminho mais difícil ao cidadinos, se as pessoas não buscam o judiciário não existem processos e sem processo não existe atraso ou pior índice: fácil!

 Dias depois da decisão do Pleno do TJPB em desativar comarcas, o presidente do tribunal anunciou a compra de 650 aparelhos de celulares e pregão para serviços telefônicos no total de R$ 3,3 milhões destinados aos seus juízes e desembargadores. Isso mesmo, 3,3 milhões. Não à toa que em maio de 2021, o mesmo TJPB anunciou auxílio saúde para juízes e familiares por conta do tribunal.

Definitivamente, o problema nunca foi falta de recurso para aplicar em acesso à justiça na Paraíba, mas como reduzir gastos e investir em outros destinos. O problema de acesso à justiça do tribunal é o próprio tribunal. O Direito não se faz Direito quando não se tem mais autoridade competente para dizer o que é Direito. Os procedimentos que não andam pelo acúmulo de processos não efetivam Direito algum. O acesso à justiça passa de um Direito do ser humano à ilusão funcional do sistema judiciário, que não quer acesso à justiça! As tão sonhadas carreiras jurídicas para se fazer justiça, advocacia, defensoria pública, magistratura, ministério público, por exemplo, não passam de meras palavras postas ao vento, também cumprindo sua ilusão funcional.

Tiago Leite.

Doutorando em Ciências Jurídicas (UFPB), Professor de Direito (UNIFIP) e Advogado.


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