Por Klítia Cimene
Exames vestibulares, muito embora caracterizados de modos distintos, sempre serviram como parâmetro avaliativo de escolas, de professores e de alunos no Brasil. Por aqui, um conjunto seletivo de itens, envolvendo disciplinas estudadas durante a formação discente, é visto como capaz de aferir, por exemplo, a capacidade de ler e de escrever do estudante brasileiro, seu possível ingresso e melhor desempenho universitário. A cada início de ano, notas são divulgadas como verdadeiros e absolutos troféus estudantis. Quem, assim como eu, participa diretamente desse processo e o acompanha há décadas, sabe bem que, na formação estudantil, há um protagonismo partilhado, porque dele participam atores importantes, além do próprio estudante, a saber: professores, pais, amigos; os cenários de aprendizagem também são muitos: casa, escola, comunidade. E os meios de informação, a cada dia, ampliam-se: livros, jornais, redes sociais, diferentes recursos digitais etc. Não há limites para aprender! Não há, pois, unilateralismo nesse contexto! É impossível aprender sozinho!
Todos os anos, nas mídias brasileiras, locais ou em nível nacional, o que mais se vê são discursos de um pseudoprotagonismo dos que alcançam notas acima da média nacional, principalmente nas provas de redação e de matemática no ENEM, obviamente por serem as disciplinas tidas, erroneamente, como as mais difíceis nesse exame. Nesse jogo de títulos sensacionalistas e inconsequentes, professores são marginalizados e, pasme, leitor, coloca-se o estudante como se fosse ele um “autodidata”, porque “passava dez horas por dia estudando sozinho” ou porque “encontrou um método de estudar que, depois de três anos, lhe deu a aprovação no ENEM”. Fingem alguns jornalistas não saberem que a autonomia, não o autodidatismo, é exercitada pelo aluno, sob a orientação de seus professores. Os autores de títulos assim, também desconsideram que essa autonomia só pode ser conquistada, porque esse estudante contou com as fundamentais orientações de seus docentes, não somente no Ensino Médio, mas em toda a trajetória estudantil desse jovem. Com o fito de ventilar um mérito do ego, manchetes desse tipo confundem autonomia com autossuficiência; confundem roteiro de estudo com descobertas inesperadas, milagrosas; confundem conhecimento levado a sério com sorte no jogo. Nessa avalanche de confusões propositais, o profissional docente permanece em cena, mas como coadjuvante, típico elemento das piores e mais injustas cenas sociais brasileiras, cuja presença, para muitos, não faz diferença. Assim, o enredo da escola, que também tem responsabilidade sobre isso, caminha para um fim trágico, em que alunos ainda mais desrespeitam professores, porque se inflam da ideia de que o sucesso não passa pelo caminho partilhado com quem esteve com eles, muitas vezes, mais que seus próprios pais.
Somente um país que ainda não construiu um norte educativo, que tenta, inventa, mas não resolve os mais dramáticos problemas da educação, como as altas taxas de analfabetismo, a evasão escolar, pode achar que alunos conquistam sozinhos suas vitórias. Pior que isso, é a covardia de responsabilizar, agora, com exclusividade, o professor pelo fracasso do aluno. Essa seletiva conduta somente aponta para o insucesso da escola brasileira que precisa se apegar às mínimas aprovações em vestibulares, porque, realmente, elas ainda constituem um grande feito, visto que nossa escola aprova pouco, nossa universidade insere pouco e nosso país exclui com amplidão.
Esse triste cenário me fez lembrar e, até mesmo, pensar em acatar o que diz o pai de Janjão, personagem de “Teoria do Medalhão”, conto do brilhante Machado de Assis: “A vida, Janjão, é uma enorme loteria; os prêmios são poucos, os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra. Isto é a vida; não há planget, nem imprecar, mas aceitar as coisas integralmente, com seus ônus e percalços, glórias e desdouros, e ir por diante.”