O Brasil é um país que, não bastasse ter sua construção forjada num cenário de grande exploração – com destaque para a exploração de suas riquezas e povos nativos –, é alvo de constantes ataques, especialmente quando tachado de um país corrupto.
Mas não é bem assim. Claro que estas breves linhas são incapazes de aprofundar a contexttualização histórica da corrupção no Brasil. Mas é necessário, pelo menos, tentar esclarecer uma das maiores injustiças praticadas contra o Brasil e os fatos a ele relacionados, no âmbito da corrupção.
A prática da corrupção tem sido apontada como o fator determinante para justificar um país com problemas de quase todas as ordens: violência, desigualdade social, economia, meio ambiente, entre outros. Mas de que corrupção se fala?
A corrupção referida quase sempre diz respeito à decorrente do patrimonialismo. Este consiste, em suma, na corrupção estatal, ou a corrupção dos tolos, para usar uma expressão de Jessé Souza (2017), como veremos a seguir. Com isso, ataca-se duramente a política, mas se poupa um ator de fundamental importância nesse cenário da corrupção: o mercado.
Não se trata de aceitação de algum tipo de corrupção, pois esta deve ser sempre e veementemente contestada; é o que impõe a moral, no mínimo. Mas é imprescindível, sob pena de equívoco nos julgamentos e avaliações, que se compreenda o contexto social e estatal como alvo da imposição da elite econômica (ou elite de rapina), que captura o próprio Estado.
O que dizer, por exemplo, do pagamento de rolagem da dívida pública? Dados da auditoria cidadã da dívida (https://auditoriacidada.org.br/) revelam que, nos últimos dois anos, mesmo com despesas extras em razão da pandemia da Covid-19, o povo brasileiro pagou de juros e amortizações da dívida pública o equivalente a aproximadamente 40% de todo o orçamento federal. Ou seja, dinheiro público que vai para o mercado/rentismo, sem que saibamos ao certo (tampouco concordemos com isso) os critérios usados para esse pagamento, já que não há uma auditoria estatal sobre essa dívida.
Esse mesmo mercado, composto pela elite de rapina, além de receber rios de dinheiro público por meio de uma dívida questionável, goza de diversos privilégios às custas do povo brasileiro, como por exemplo não ter sua fortuna taxada, quando os trabalhadores e o povo em geral pagam altas cargas tributárias. O Estado, sob a alegação de carência de recuros públicos, deixa de prestar serviços essenciais de qualidade ao seu povo, enquanto é espoliado pelo rentismo.
Alguns elementos explicam a hegemonia do mercado/rentismo. Como ele é o “proprietário”, tem o poder de influência nos corações e mentes, de cima pra baixo, pois pauta os rumos da sociedade, por meio de vários setores: são donos da imprensa, que forma opinião; intervém nas universidades, influenciando nas direções e grades curriculares; tem como forte aliada a classe média (que se confunde com a alta e odeia a classe pobre); atua fortemente no gosto musical e cultural, como uma espécie de escravização moderna. É exatamente isso… uma escravização moderna, construída historicamente e que tem como principal instrumento um racismo, que hoje não se restringe à cor da pele, mas um racismo cultural ou de classe social.
Do ponto de vista da corrupção, Jessé Souza (2017) faz a seguinte analogia: a corrupção estatal é o aviãzinho enquanto a elite de rapina é o cabeça do tráfico. Eis, portanto, um fator para o qual se devem voltar as atenções: o patrimonialismo, construído sob a égide de um racismo cultural e de classe, serve como instrumento de criminalização estatal e da política, ao passo em que ignora a real e mais cruel corrupção existente: a da elite de rapina, que captura o Estado e promove um grandioso desfalque de recursos públicos de forma complexa e por meio de uma engrenagem que a mantém nessa condição e a torna cada vez mais rica.
Emanuel Escarião é Bacharel em Direito, Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública, servidor público e presidente municipal da UP.