
Por Natália Portinari – Colunista do UOL
O MPF (Ministério Público Federal) está investigando uma suspeita de fraude em licitação com emendas Pix enviadas por Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara dos Deputados, ao município de Santa Luzia (PB).
As suspeitas são o uso de uma empresa de fachada para vencer a licitação e a aplicação irregular de recursos da União. Trata-se de um procedimento preliminar. Ainda não há inquérito instaurado, nem parecer do MPF.
A cidade — que tem 15 mil habitantes e é próxima a Patos (PB), base eleitoral do deputado — recebeu R$ 900 mil em transferências especiais (“emendas Pix”) de Motta em 2023 e 2024, além de R$ 100 mil do deputado federal Frei Anastácio (PT-PB) em 2023.
Nessa modalidade de emenda, a verba era enviada diretamente ao município ou ao estado, sem projeto específico — ao menos até o STF (Supremo Tribunal Federal) determinar que o controle sobre as transferências aumentasse.
A cidade é administrada por Henry Lira (Republicanos). O prefeito na época em que a obra teve início, em 2023, era Zezé (Republicanos). Ambos são aliados de Motta.
Segundo aponta a investigação do MPF, a verba das emendas Pix foi usada na reforma de uma praça do município. A licitação realizada pela prefeitura custou R$ 1,3 milhão.
Nesse valor, estão incluídas a renovação dos canteiros e a construção de quiosques.
Entre possíveis indícios de fraude à licitação, o MPF apura se o certame foi vencido por uma empresa de fachada, a Construtora Barbosa e Ferreira Ltda., e se houve aplicação inadequada de recursos federais na execução do contrato.
A sede da construtora é uma casa residencial pequena em uma cidade de 8.000 habitantes, Desterro (PB), o que coloca em xeque sua capacidade técnica, operacional e financeira, segundo os indícios analisados pelo MPF.
Há, ainda, indícios de que a obra foi conduzida por trabalhadores de Santa Luzia sem ligação com a empresa contratada.
Em outra frente, moradores entraram com uma ação no TJ-PB (Tribunal de Justiça da Paraíba) contra a obra, apontando que a construção de quiosques em frente às suas casas impedia a circulação de carros e teria como objetivo beneficiar comerciantes às vésperas das eleições de 2024, que elegeu Henry Lira.
Também foram apontadas supostas falhas de engenharia, arquitetura e urbanismo no projeto executado pela construtora.
O TJ-PB chegou a paralisar a obra no ano passado para evitar prejuízos aos moradores, mas em 25 de fevereiro deste ano permitiu que a construção continuasse.
Ao UOL, o dono da empresa responsável pela obra, Ricássio Ferreira do Nascimento, negou qualquer irregularidade.
“Paramos a obra por conta de problemas na Justiça, mas vamos finalizar. Minha construtora está em dia, meu meio de vida é esse. Sempre vem denúncia de um lado ou do outro, mas quando eu ganho a licitação eu ganho realmente no preço”, afirmou.
O TJ-PB reverteu a suspensão e autorizou a continuidade da obra em 25 de fevereiro deste ano.
Procurados, o deputado Hugo Motta e a Prefeitura de Santa Luzia não se pronunciaram até a publicação desta reportagem.
Pedido de arquivamento
Em dezembro de 2024, o MPF analisou se a investigação seria de competência federal, por se tratar de dinheiro repassado ao município. A procuradoria em Campina Grande (PB) havia pedido o arquivamento da investigação, dizendo se tratar de questão municipal.
Mas a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que coordena investigações em Brasília, decidiu que a apuração deveria continuar e indicou que a procuradora poderia pedir o afastamento do caso, se desejasse.
Segundo a 5ª Câmara, diante das decisões recentes do STF, é competência da Justiça federal — e, por consequência, do MPF — apurar indícios de irregularidades com transferências especiais, já que se tratam de recursos da União.
Obra com orçamento secreto
Uma obra de 2021 financiada com R$ 3,2 milhões em emendas de relator, por indicação de Hugo Motta, também é alvo de questionamentos em Santa Luzia.
Trata-se da construção do Parque de Eventos. A obra durou três anos a mais que o previsto e foi finalizada por uma empresa diferente da contratada no início, devido a problemas de execução.
O vereador Ricardo Morais (MDB) fez uma denúncia aos órgãos de controle em que aponta suspeitas de superfaturamento e fraude na fiscalização do contrato. Fotos registradas por ele mostram que, embora o município tenha pago por tijolos de 8 cm de espessura, os utilizados tinham de 4 a 6 cm.
A prefeitura também foi questionada sobre isso, mas não retornou.
Investigação em Patos
O MPF investiga também indícios de superfaturamento, fraude em licitação e desvios em outra obra bancada com emendas de Hugo Motta, desta vez, em Patos, cidade administrada por seu pai, Nabor Wanderley (Republicanos).
A obra de pavimentação, para recuperação de avenidas, foi executada com R$ 4,7 milhões em emendas de relator — conhecidas como “orçamento secreto” — indicadas por Hugo Motta, segundo divulgação do próprio deputado.
O convênio foi assinado no final de 2020, antes da atual gestão, mas a prefeitura recebeu recursos e executou as obras nos anos seguintes, já sob a administração de Nabor Wanderley.
A Polícia Federal e o MPF deflagraram uma operação para investigar a execução da obra em setembro passado.
À época, Motta afirmou, por meio de sua assessoria, que não era alvo da operação. Também destacou a importância dos órgãos de fiscalização e controle e afirmou que qualquer ilegalidade comprovada dentro do devido processo legal deve ser punida.
Reportagem
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