
Escondidos sob apelidos como Jihad, Sync, Mikay e Fearless, jovens e adolescentes criaram no Discord — plataforma de comunicação voltada para grupos e comunidades — um espaço onde a crueldade era rotina.
Os integrantes do grupo foram presos no dia 17 de abril, durante uma operação da Polícia Civil do Rio. Entre os alvos, chama atenção Bruce Vaz de Oliveira, de 24 anos. Fora da plataforma, ele se apresentava como ativista ambiental e defensor da vida, chegou a frequentar eventos ligados ao G20 e mantinha um discurso público oposto às práticas reveladas pela investigação.
Nos bastidores do servidor “466”, no entanto, promovia sessões de tortura contra animais, incentivava automutilação, fazia apologia ao nazismo, incitava ódio racial e até planejava ataques a pessoas em situação de rua.
A investigação da Polícia Civil, com apoio do CIBERLAB do Ministério da Justiça, revelou um ecossistema digital tóxico, onde o sofrimento era tratado como espetáculo e a violência, como pertencimento.
Jihad: o “proprietário do servidor” e executor das cenas mais cruéis
Descrito como o líder do grupo, pelo relatório da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI/RJ), Bruce Vaz de Oliveira, de 24 anos, preso no último domingo, foi o responsável por transmitir ao vivo a tortura e execução de um gato. Segurando o animal pelo pescoço, o esfaqueou diversas vezes sob gritos e aplausos virtuais. O vídeo foi compartilhado entre os membros, que riam e exaltavam a ação: “Ele vai fazer um tapetinho”, comentou Sync. “O Jihad é um monstro, velho, perfeito”, disse outro membro, em tom de reverência
O controle de Bruce era absoluto: só falava quem ele autorizava, e todos se dirigiam a ele com respeito e idolatria. Sua figura era a mais temida — e admirada — entre os membros.
Fora do Discord, Bruce se apresentava como ativista ambiental e defensor da vida em suas redes sociais. Ele chegou a frequentar eventos ligados ao G20, em novembro do ano passado. Segundo o CIBERLAB, essa contradição revela um comportamento “dissimulado e altamente preocupante”, que amplia o risco e a capacidade de manipulação desse perfil.
Em um dos posts feitos por ele no Facebook, disse estar “grato” por “partilhar ideias e resolver perguntas e respostas sobre nosso planeta natal”.
Sync: o braço direito e articulador do ódio
Também preso no último domingo, Caio Nicholas Augusto Coelho, de 18 anos, identificado como Sync, era um dos mais ativos nas transmissões. Não apenas assistia, mas instigava a violência. “Corta a patinha dele, abre a garganta”, dizia durante a tortura de um gato.
Também protagonizou falas de cunho abertamente racista: “A gente decidiu queimar uns mendiguinhos na rua, fazer uns molotovzinho… não gosto de preto, ainda mais mendigo”, declarou em uma das chamadas
Seu papel era o de articulador — Sua principal função seria aliciar adolescentes e inseri-los na dinâmica do grupo.
Mikay: o instigador de mutilações
Conhecido como Mikay na plataforma, o jovem de 17 anos chegou a incentivar uma jovem a se cortar ao vivo. Além disso, participava ativamente de sessões de humilhação sexual e promovia desafios entre os membros, sempre com o objetivo de forçar sofrimento físico ou psicológico. Seu comportamento se destacava pela insistência em pressionar vítimas até o limite.
Fearless: o controlador das sessões mais degradantes
Já Kayke Sant Anna Franco, de 19 anos, conhecido como Fearless, era figura constante nas sessões de extrema violência psicológica e humilhação. Ele ainda incentivaria adolescentes à automutilação e participava do planejamento de ataques físicos, além de promover desafios de violência entre os usuários, de acordo com a investigação.
Em uma das conversas, ele narra a excitação que sente ao ver adolescentes obedecendo suas ordens. É citado na investigação como um dos mentores de um plano para atacar moradores de rua e aparece diretamente envolvido com o recrutamento de novos membros.
Uma estrutura hierárquica
O grupo se organizava com hierarquia definida: os “oradores” (como Jihad, Fearless e Sync) tinham poderes sobre os demais, inclusive para decidir quem podia falar. Havia regras internas, provas de lealdade e até recompensas simbólicas por obediência — como subir de cargo dentro do servidor.
Os crimes não ficaram apenas no campo virtual. O grupo chegou a pichar a sigla do servidor — “466” — num posto policial, uma espécie de assinatura da organização. Em algumas sessões, mais de 170 usuários estavam conectados simultaneamente.
A Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática e a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente atuam em conjunto para localizar todos os envolvidos. Parte dos réus já foi denunciada pelo Ministério Público por associação criminosa, maus-tratos a animais, intolerância racial, induzimento ao suicídio e incitação ao crime. As investigações continuam.
Por Agência Globo