Motta assinava pedidos de Cunha na Câmara em ação combinada, indicam mensagens

Cunha descreve o então correligionário Hugo Motta em livro como “um bom quadro, cumpridor de compromissos”.



Por Felipe Bächtold e José Marques

(Folhapress) — Episódios descritos em investigações da Polícia Federal reforçaram os indícios de atuação combinada no Congresso entre o atual favorito para comandar a Câmara dos Deputados, Hugo Motta, e o antigo presidente da Casa Eduardo Cunha.

Diálogos analisados pela polícia indicam que Hugo Motta (atualmente no Republicanos-PB) agia no Congresso a favor de seu antigo aliado de modo que omitia quem era o verdadeiro interessado nas demandas.

As mensagens foram anexadas em inquéritos nos anos da Operação Lava Jato, que prendeu e condenou Cunha por corrupção. As sentenças foram anuladas posteriormente, e o ex-parlamentar sempre negou ter cometido irregularidades. Naquela época, os dois congressistas eram filiados ao PMDB, hoje chamado MDB.

Uma dessas mensagens foi reproduzida em denúncia de 2017 contra o então presidente Michel Temer, Cunha e outros emedebistas, em caso de grande repercussão à época.

Procurado por meio da assessoria, Hugo Motta afirmou que não iria comentar sobre as menções nas investigações.

“Vou por uma emenda para você assinar que e do veto da 561”, dizia mensagem de Cunha a Hugo Motta, em referência a uma medida provisória.

O diálogo ocorreu em agosto de 2012, quando o paraibano ainda estava em seu primeiro mandato na Câmara, e Cunha era uma das principais lideranças do PMDB.

O então procurador-geral Rodrigo Janot citou essa mensagem em trecho da acusação que fala sobre o modo de operação do grupo político de Cunha na Câmara naquela época. O ex-presidente da Câmara perdeu o mandato em 2016 e ficou mais de três anos preso.

A MP citada tratava de vários temas, como financiamentos do BNDES e parcelamento de dívidas de estados e municípios. A então presidente Dilma Rousseff vetou dois trechos em julho de 2012, quando isso ocorre, o Congresso pode derrubar o veto. Hugo Motta foi relator dessa medida provisória.

As conversas constam em um relatório da PF feito após o ex-presidente da Câmara ser alvo de busca e apreensão em 2015, na chamada Operação Catilinárias, um desdobramento da Lava Jato.

Mais adiante, esse mesmo relatório cita uma outra ocasião em que “a utilização do deputado Hugo Motta como ferramenta legislativa por Eduardo Cunha foi identificada”.

O documento narra episódio em que uma assessora de Cunha, também em 2012, envia a ele um e-mail com uma minuta de requerimento afirmando: “Posso mandar para o Hugo Motta assinar???”

Segundo o policial responsável pela análise, o requerimento solicitava ao Ministério de Minas e Energia informações sobre contratos entre um braço da Petrobras e uma empresa de biocombustíveis. O pedido seria protocolado na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados.

“Hugo Motta recebe e-mail com minuta de requerimento, contendo seu nome como autor, enviado por assessora de Eduardo Cunha”, diz o relatório policial.

Na época da Lava Jato, uma ex-colega de Cunha chegou a ser processada por supostamente apresentar requerimentos a pedido de Cunha contra uma empresa. Solange Almeida (então no PMDB-RJ) virou ré junto com o aliado em ação penal, mas acabou absolvida.

No relatório policial da Operação Catilinárias, houve ainda uma citação dos investigadores ao que seria uma mensagem de Hugo Motta a Cunha sobre repasses financeiros para o partido.

“Uma mensagem do contato ‘Hugo mota’ afirma a Eduardo Cunha que havia conseguido 100 para o PMDB e que no mês subsequente conseguiria igual montante. Acredita-se que ‘Hugo mota’ esteja expressando os valores em milhares”, diz o documento.

Atualmente em seu quarto mandato, Hugo Motta foi retirado do chamado baixo clero da Câmara (o grupo sem expressão política nacional) quando Cunha assumiu a liderança do PMDB, em 2013.

Hugo Motta e Eduardo Cunha

A proximidade com Cunha sempre foi pública. O próprio ex-deputado, em seu livro de memórias “Tchau, Querida”, descreve o então correligionário como “um bom quadro, cumpridor de compromissos”.

Ainda hoje, o ex-presidente ainda participa de eventos com o seu antigo afilhado político. Na noite de terça-feira (28), Cunha esteve em um jantar da bancada do Rio de Janeiro para Hugo Motta, acompanhado da filha, a deputada federal Dani Cunha (União Brasil-RJ).

Em 2015, quando tinha 25 anos, Motta foi alçado por Cunha à presidência da CPI da Petrobras, constituída naquele ano para apurar no Congresso as revelações surgidas na Lava Jato.

À época, a Lava Jato, ainda em um período anterior aos inquéritos sobre o hoje presidente Lula, mirava nomes de vários grandes partidos e provocava contínua tensão em Brasília.

Em sua fracassada tentativa de fechar um acordo de delação premiada, em meados de 2017, Cunha também afirmou ter comprado votos para tentar eleger Hugo Motta à liderança do PMDB na Câmara em 2016.

Segundo o ex-presidente da Câmara, a disputa entre Leonardo Picciani e Hugo Motta em 2016 foi a mais cara devido a negociações relacionadas à composição da Comissão de Impeachment de Dilma. O parlamentar da Paraíba acabou perdendo a disputa.

Cunha disse que não reconhece a delação como verdadeira e que os fatos que estão na proposta da colaboração não existiram.

A tentativa de delação foi compartilhada entre procuradores em um chat do aplicativo Telegram, em julho de 2017, no material obtido pelo site The Intercept Brasil e também analisado pela Folha de S.Paulo.

No entanto, o próprio Cunha já havia falado publicamente sobre a negociação de delação, em mais de uma ocasião.