Jurista se posiciona sobre os animais em situação de rua na cidade de Patos

A jurista Ellen Nunes, especialista em Direito Ambiental e mestranda em meio ambiente e desenvolvimento, se posicionou sobre a grave situação dos animais em situação de rua na cidade de […]



A jurista Ellen Nunes, especialista em Direito Ambiental e mestranda em meio ambiente e desenvolvimento, se posicionou sobre a grave situação dos animais em situação de rua na cidade de Patos.

Leia o relato de Ellen Nunes:

A crescente presença de animais em situação de rua na cidade de Patos revela uma profunda crise de gestão pública, cujas consequências extrapolam a esfera da proteção animal e atingem diretamente a saúde coletiva, a segurança urbana e os princípios mais basilares do Direito Ambiental e Constitucional. Episódios de ataques a pessoas e, mais gravemente, casos recorrentes de envenenamento de cães e gatos nas vias públicas demonstram o resultado direto de uma omissão institucional sistemática.

É necessário afirmar, com a clareza que o Direito exige, que a culpa não é dos animais. A conduta instintiva de um ser irracional jamais poderá ser equiparada à responsabilidade do ente público que, embora detentor do dever legal de zelar pela fauna e pela ordem urbana, permanece inerte.

A superpopulação de cães e gatos nas ruas, a ausência de um Centro de Controle de Zoonoses e a total ineficiência de programas de castração e acolhimento, não são apenas falhas administrativas: configuram, à luz do ordenamento jurídico, ofensas ao princípio da dignidade da vida humana e não humana e implicam responsabilidade objetiva por omissão do Estado.

Quando se analisa a ocorrência de ataques a transeuntes, há que se considerar a perspectiva territorial dos animais abandonados. Em situação de extrema vulnerabilidade, sujeitos à fome, sede, calor, maus-tratos e ameaças constantes, é natural desenvolver comportamentos defensivos e reativos. A agressividade não é um desvio de conduta dos animais, mas sim um mecanismo de sobrevivência. Transferir aos animais a culpa por tais reações é uma distorção perversa da realidade e uma forma inaceitável de invisibilizar o sofrimento a que são submetidos.

Ainda mais alarmante é a incidência, cada vez mais frequente, de envenenamentos. Trata-se de prática covarde, criminosa e cruel, tipificada no artigo 32 da Lei n.º 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), cuja pena pode ser majorada em caso de morte do animal. A conduta é penalmente punível, independentemente da existência de dolo específico, e revela um profundo desrespeito à legislação e à ética ambiental. É inadmissível que, em pleno século XXI, convivamos com atos de tamanha barbárie sob o silêncio cúmplice da gestão pública.

Ressalte-se que a Constituição Federal, em seu artigo 225, §1º, inciso VII, impõe ao Poder Público o dever de proteger a fauna, vedando expressamente as práticas que submetam os animais à crueldade. Assim, a ausência de ações concretas e eficazes em Patos–PB para controlar a população de animais de rua, prevenir zoonoses e coibir maus-tratos traduz verdadeira afronta à norma constitucional e legitima a responsabilização administrativa e judicial dos gestores públicos por omissão inconstitucional.

A crise em questão é também uma questão de saúde pública. A exposição desassistida de animais nas ruas favorece a disseminação de doenças zoonóticas como raiva, leishmaniose e esporotricose e coloca em risco não apenas os próprios animais, mas toda a coletividade, especialmente crianças, idosos e pessoas imunossuprimidas. O risco epidemiológico é concreto e requer intervenção imediata e técnica, nos moldes das normas do SUS e das diretrizes sanitárias nacionais.

Patos precisa, com urgência, deixar de tratar a problemática dos animais em situação de rua como um tema marginal e reconhecê-la como uma questão jurídica, social, sanitária e ética de primeira ordem. A criação de um Centro de Zoonoses estruturado, aliado a políticas públicas contínuas de castração, educação ambiental, adoção responsável e punição aos infratores, é o mínimo exigível à luz do ordenamento jurídico vigente.

O que se presencia nas ruas da cidade não é o descontrole animal, é o retrato fiel da falência estatal em assegurar direitos fundamentais. A omissão do Poder Público não exime sua responsabilidade. Pelo contrário: ela a agrava. E, afirmo com convicção, persistir nessa negligência é não apenas imoral, mas flagrantemente ilegal.

Edição: Jozivan Antero – Polêmica Patos