Aos 89 anos, morre Pepe Mujica

Em janeiro, Pepe revelou que o câncer havia se espalhado por todo o corpo e que ele não faria mais tratamento



O presidente do Uruguai, Yamandú Orsi, informou em suas redes sociais, às 16h14, a morte do ex-presidente do Uruguai, ex-deputado, ex-senador, ex-guerrilheiro urbano e ex-preso político José Mujica, o “Pepe Mujica”. O político tinha 89 anos e enfrentava um câncer de esôfago desde abril de 2024.

Na segunda-feira (12), a esposa de Mujica, Lucía Topolanski, afirmou que Pepe estava em estado terminal e era tratado com cuidados paliativos. Em janeiro, Pepe revelou que o câncer havia se espalhado por todo o corpo e que ele não faria mais tratamento.

Com seu estilo de vida simples e sua retórica anticonsumista, Mujica se tornou uma figura icônica da esquerda latino-americana. Ele governou o Uruguai entre 2010 e 2015. Durante seu governo, Mujica promoveu reformas e políticas progressistas que levaram o país ao destaque no cenário internacional.

Em um de seus últimos discursos públicos, no comício da candidatura do atual presidente do Uruguai, Yamandú Orsi, Mujica arrancou lágrimas do público presente. Adotou um tom de despedida e esperança nas lutas populares. “Estou no final da partida, absolutamente convencido e consciente”, afirmou.

“Sou um velho que está muito perto de onde não se volta, mas sou feliz porque vocês estão aqui”, disse, arrancando lágrimas do público.

Quem foi Pepe Mujica?

Pepe Mujica, ou José Alberto Mujica Cordano, nasceu no dia 20 de maio de 1935, em Montevidéu, Uruguai. Filho de uma família simples, ele viveu uma vida ligada às classes populares desde muito jovem. Sua trajetória vai da infância humilde até se tornar presidente do Uruguai, sempre defendendo os mais pobres e as causas sociais.

Mujica cresceu no bairro Paso de la Arena, em Montevidéu. Aos seis anos, perdeu seu pai, Demetrio Mujica, e sua mãe, Lucía Cordano, assumiu sozinha a responsabilidade de sustentar a família.

Na juventude, começou a militar no Partido Nacional por vínculo familiar, chegando ao cargo de secretário da juventude da agremiação. Em 1962, deixou o partido e criou um grupo chamado União Nacional, que trabalhava junto ao Partido Socialista. Depois, ingressou no Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros –, que defendia a luta armada como uma maneira de enfrentar o governo autoritário da época.

Por sua participação no “Tupamaros”, foi preso quatro vezes e fugiu duas vezes do Presídio de Punta Carretas. No total, passou quase quinze anos na prisão, onze dos quais num calabouço, como refém da ditadura. Sua última prisão foi a mais longa e difícil: 14 anos de encarceramento, muitos deles passados em condições de extremo isolamento.

Pós-ditadura

Após a sua saída da prisão, com a anista decretada em 1985 no Uruguai, Mujica decide abandonar a luta armada e funda, então, o grupo Movimento de Participação Política (MPP), dentro da coalizão Frente Ampla, uma coalizão de esquerda que lutava por reformas e por maior inclusão social.

Pela Frente Ampla, Mujica foi eleito deputado em 1994 e senador, em 1999. Em 2004, o seu grupo tornou-se majoritário dentro da Frente Ampla. Essa trajetória o crendeciaria para a posterior candidatura à presidência do Uruguai.

Presidência

Em 2009, Pepe Mujica foi eleito presidente do Uruguai, representando a coalizão de esquerda Frente Ampla, que já governava o país desde 2005. Sua eleição foi um marco, não apenas por sua trajetória incomum, mas também porque sua candidatura simbolizava uma nova etapa para o Uruguai.

Durante seu mandato, Pepe Mujica trouxe ao Uruguai uma série de reformas que não só mudaram o cenário interno do país, mas também o colocaram em destaque no cenário internacional. Alguns exemplos são a legalização da maconha, o casamento igualitário e a regulamentação do aborto.

Mujica se destacou por sua simplicidade e estilo de vida modesto, que contrastava com o padrão adotado por muitos líderes globais. Ao invés de morar no palácio presidencial, ele escolheu continuar em sua pequena chácara nos arredores de Montevidéu, onde, ao lado de sua esposa, Lucía Topolansky, cultivava verduras e flores.

Dirigia seu Fusca azul, mantinha uma rotina simples e trabalhava na terra, distante dos holofotes da mídia. Além disso, doava cerca de 90% de seu salário para programas sociais, guardando apenas o necessário para manter sua vida modesta.

Legado de Pepe Mujica

Após o governo de Mujica, o Uruguai passou a ser visto como uma referência em democracia e inclusão social. As reformas sociais implantadas, como a legalização da maconha e o avanço nos direitos civis, colocaram o país no mapa internacional como um modelo progressista.

Mujica encerrou seu mandato com altos índices de aprovação, sendo amplamente respeitado dentro e fora do país, consolidando o Uruguai como um exemplo de como políticas focadas no bem-estar social podem transformar uma nação.

Honraria do Brasil

No último ano, Pepe Mujica recebeu, do presidente Lula (PT), a maior honraria brasileira, a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, “por sua incansável luta pelo melhor da América Latina e do mundo”. “Um exemplo para todos nós”, definiu Lula.

Discurso Marcante

Um de seus discursos mais memoráveis aconteceu na Assembleia Geral da ONU, em 2012. Mujica chamou a atenção global ao criticar o consumismo desenfreado e ao questionar o modelo econômico que, segundo ele, estava prejudicando o planeta e ampliando as desigualdades sociais.

Leia na íntegra um dos últimos discursos de Mujica, no comício de Yamandú Orsi:

“Um minuto de coração, não da garganta.

É a primeira vez nos últimos 40 anos, que não participo de uma campanha eleitoral. E eu faço isso porque estou lutando contra a morte. Porque estou no final da partida, absolutamente convencido e consciente.

Mas eu tinha que vir aqui hoje, pelo que vocês simbolizam. […] Então, sou um velho, sou um velho que está muito, muito perto de onde não se volta. Mas eu sou feliz porque vocês estão aqui, porque quando meus braços se forem, haverá milhares de braços substituindo-os na luta, E toda a minha vida eu disse que os melhores líderes são aqueles que saem de uma equipe que os supera com vantagem.

E hoje estão vocês, está Yamandu, está Pacha. Há milhares e outros que esperam e outros braços jovens, porque a luta continua por um mundo melhor. Eu gastei minha juventude, minha vida junto de minha companheira, que estou vivo por causa dela e dessa outra mulher, que é minha médica, senão eu já teria partido.

Eu tenho que vir agradecê-los de coração. Os mais jovens vão viver uma mudança no mundo que a humanidade não conheceu. A inteligência será tão importante quanto o capital, o que significa que a formação terciária irá se impor para as novas gerações.

Se não somos capazes como país de educar e de formar a geração que vem, vamos pertencer ao mundo dos irrelevantes, dos que não servem para que os explorem.

Este é o maior desafio do país. Por isso apoio Yamandu, porque é preciso um governo que abra o coração e a cabeça como país inteiro. Não é poético o que eu digo, alguém tem que dizer, que seja um velho.

Não ao ódio!

Não à confrontação!

É preciso trabalhar pela esperança!

Até sempre! Dou meu coração a vocês. Muito obrigado. Tenho que agradecer à vida, porque quando esses braços se forem, haverá milhões de braços. Obrigado por existirem. Até sempre.”

Por ICL Notícias