”Que a esperança de melhores tempos nos sirva de consolo à miséria presente” deste país

Em toda a história da humanidade, através dos tempos e nos espaços diversos, desafios truncam ou impulsionam as pessoas. No enfrentamento às pelejas estabelecidas por diferentes agentes, sejam eles naturais […]



Em toda a história da humanidade, através dos tempos e nos espaços diversos, desafios truncam ou impulsionam as pessoas. No enfrentamento às pelejas estabelecidas por diferentes agentes, sejam eles naturais ou antrópicos, a esperança tem sido gestora de realizações vitoriosas. Na administração dessa esperança e, em especial, em sua promoção, a educação, mesmo que, por vezes, na subjacência do enredo humano, potencializa ações “esperançosas” de jovens, porque nenhuma vitória pode ser construída sem alicerces que mesclem realidade e esperança. Aquela, para ser observada, compreendida e, se necessário, modificada; esta, o vigor, o motor, a geradora de autonomia, de construção, de independência. Nesse sentido, a universidade é um espaço que, muito além de científico, na prática, é parte do caminho que se encontra com a perspectiva de independência do cidadão e com o desenvolvimento de qualquer país.

Para Paulo Freire, inspiração de muitos e temor de tantos outros, a “malvadez neoliberal”, o “cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia” podem ser entraves capazes de truncar o sonho de muitos brasileiros. Mas, pelo muito que aprendeu, com sua percepção libertária, despida de hierarquias inúteis, Freire nos ensinou e nos ensina até hoje. A lição que se compreende aqui, entre outras, é a de que somos todos, digo, TODOS, partícipes das transformações sociais e, por isso mesmo, responsáveis por continuar a promover a esperança em todos os âmbitos educacionais. Nesse sentido, gerar o sonho de um curso superior em uma criança brasileira é alimentar a expectativa de uma conquista que, por direito, deve ser possível e, para isso, garantida pelo Estado.

Entretanto, no Brasil com 11 milhões de analfabetos, “esperançar” é muito difícil! Gestar sonhos e contribuir para promover realizações têm se tornado desafios ainda maiores, especialmente, quando se trata de concluir um curso superior. Segundo o SIS (Síntese de Indicadores Sociais – IBGE), o acesso ao ensino superior continua muito restrito, com pouco mais de 30% dos jovens brasileiros, de 18 a 24 anos estudando.  Obviamente, o acesso à universidade não garante emprego para todos, mas impacta em, se alcançados,  melhores empregos e renda, e na possibilidade de ascensão social. Em termos práticos, para além da formação intelectual mais aprimorada, um curso superior é um direito que pode garantir outros. Isso é uma obviedade estranhamente relativizada no Brasil, sobretudo, após a recente fala do Ministro da Educação, Milton Ribeiro. Em defesa nítida da formação técnica e, sem consistência argumentativa alguma, o Ministro, que também é representante de uma entidade de ensino superior, saboreia a grosseira e criminosa ideologia elitista brasileira, materializada na frase burlesca a seguir: “Universidade deveria, na verdade, ser para poucos, nesse sentido de ser útil à sociedade.” O que se traduz no discurso do caricato ministro é a importância de se ampliar mão de obra técnica, sem muita perspectiva de crescimento salarial, para os filhos e filhas dos mais pobres; deixar a universidade para os mais abastados; reduzir a possibilidade de escolha do jovem brasileiro, amplificar o discurso da meritocracia e alargar a exclusão social brasileira. Isso seria “útil” para a sociedade brasileira?

Essa ideologia fez-me lembrar de um excerto do brilhante discurso do professor Anísio Teixeira na Assembleia Constituinte do Estado da Bahia, em 1947, “… a justiça social, por excelência, da democracia, consiste nessa conquista da igualdade de oportunidades pela educação. Democracia é, literalmente, educação. Há, entre os dois termos, uma relação de causa e efeito. Numa democracia, pois, nenhuma obra supera a da educação. Haverá, talvez, outras aparentemente mais urgentes ou imediatas, mas estas mesmas pressupõem, se estivermos numa democracia, a educação. Com efeito, todas as demais funções do Estado democrático pressupõem a educação. Somente esta não é a consequência da democracia, mas a sua base, o seu fundamento, a condição mesma para a sua existência.”

O certo é que esse Ministro e tudo o que ele representa envergonham a educação brasileira e aniquilam sonhos.  O que nos resta, em acordo com o que afirmou Lima Barreto, é ”que a esperança de melhores  tempos nos sirva de consolo à miséria presente” deste país.


Klítia Cimene, em 22 de agosto de 2021.


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