“É terrorismo de Estado”. Noite de pânico protagonizada por bolsonaristas teria sido planejada pela Inteligência do Planalto, com anuência de forças policiais do DF. Veja a entrevista completa
Um servidor da Polícia Federal (PF) que é lotado na Presidência da República acusa o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), responsável pelo serviço de Inteligência e pela segurança do presidente Jair Bolsonaro (PL), chefiado pelo general da reserva Augusto Heleno, de estar por trás dos atos terroristas que apavoraram Brasília na noite de segunda-feira (12), quando inúmeros bolsonaristas espalharam violência, chamas e pânico por meio de uma ação coordenada que envolveu uma tentativa de invasão da sede da PF, bloqueio de vias expressas, queima de carros e ônibus e intimidações a cidadãos que estavam em locais públicos.
As declarações e a versão sobre a responsabilidade dos atos foram dadas com exclusividade à reportagem da Fórum, que exigiu toda a documentação do denunciante, como a publicação da sua nomeação no Diário Oficial da União para o cargo dentro da Presidência da República e seus documentos funcionais, assim como um contato visual para comprovar a identidade da fonte.
“O que está acontecendo e, principalmente o que ocorreu ontem em Brasília, é terrorismo de Estado. O GSI está na cabeça disso, e o uso da área do QG, que é militar, é do Exército, não é à toa. O próprio secretário de segurança do DF disse isso ontem em coletiva, que ‘ninguém entra lá porque é área do Exército’, uma desculpa pronta e perfeita. O GSI tem hoje poder para controlar mais de mil militares diretamente lá dentro (do QG do Exército e nos acampamentos) e eles estão literalmente bancando, mantendo e abrigando essa gente lá dentro (da área do QG) e logicamente ninguém fardado está aparecendo, porque essa é a forma de operar deles, uma guerra híbrida que alimenta e fomenta tudo que está ocorrendo ali. É explícito para quem está perto que o GSI está incitando isso com esses civis, todo mundo está por ali (Gabinete da Presidência) sabe disso”, começou dizendo o PF.
O denunciante disse ainda que a sequência de acontecimentos e a maneira como essas ocorrências vêm escalando, em termos de violência, são as “digitais” do pessoal de inteligência do GSI, assim como da orquestração de Jair Bolsonaro, que se envolve ativamente nos estímulos enviados a seus radicais seguidores. O núcleo central do órgão de arapongagem do governo federal, segundo a fonte, é composto por gente que tem vasta experiência nesse tipo de atividade, no Brasil e no exterior.
“Dentro dessa coordenação toda, totalmente proposital, as coisas acontecem de maneira clara. Primeiro o silêncio de Bolsonaro para manter todos por ali, agora essas aparições proféticas e esses sinais… Esse pessoal internalizou tão profundamente essa maluquice que esses tais sinais, ele falando da pátria, ele rezando, enfim, tudo isso é parte de uma estratégia de guerra psicológica que é puramente militar e a coisa é entendida subliminarmente assim por todos. O GSI é essencialmente formado por oficiais militares de uma geração que atuou por muito tempo no Haiti e nas GLO’s (operações de Garantia da Lei e da Ordem)… Esse oficialato de Inteligência opera a partir de uma lógica de que eles podem interferir em absolutamente tudo e, numa situação como a atual, operar usando o terrorismo é algo bem natural e é algo que eles vão fazer, aliás, estão fazendo… Começaram com esse negócio de ir em shopping, em restaurantes, em ônibus, e o pânico está disseminado, e ontem eles riscaram o fósforo”, explicou.
Em relação à versão oficial de que toda a baderna generalizada teria começado com a prisão de um líder indígena bolsonarista, que é pastor, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF e do TSE, atendendo a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), o federal refuta e diz que o pretexto “caiu bem”.
“A imprensa como um todo e as fontes oficiais seguem insistindo na história da prisão do líder indígena lá, e isso é um pretexto gigante. Aliás, o pretexto caiu bem. Esse pessoal fez um ato totalmente orquestrado, é algo organizado por células, gente da extrema direita que sabe exatamente como fazer isso”, falou o servidor federal.
Um ponto em que o denunciante está de acordo com a versão oficial é o de que as pessoas diretamente envolvidas na ação terrorista, que a operacionalizaram, eram oriundas do acampamento de radicais bolsonaristas que ocupam uma área militar no perímetro do Quartel General do Exército. Até o próprio secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Júlio Danilo, na coletiva improvisada que foi dada madrugada a dentro, ao lado do futuro ministro da Justiça do governo Lula, Flávio Dino, admitiu que os criminosos, ou parte deles, eram do tal acampamento dos extremistas.
“Esses sujeitos, que são terroristas, e é assim que eles têm que ser chamados, de terroristas, porque o que aconteceu ontem foi uma atividade de terror, saíram lá do QG (acampamento dos bolsonaristas numa área militar do Quartel General do Exército Brasileiro, em Brasília) e se espalharam por áreas totalmente distintas e distantes de Brasília, entrando em shopping, fechando avenida, queimando ônibus, e espalhando uma intimidação geral e o pânico, e em áreas totalmente diferentes de Brasília, ao mesmo tempo. Eles já foram em aeroportos, um lugar central para a circulação de pessoas, entrada e saída de um monte de autoridades e de outras figuras, e ninguém está enxergando e falando sobre isso aí?”, argumentou.
Perguntado se as forças policiais do Distrito Federal, que em tese não estão sob o comando de Bolsonaro e de autoridades do governo federal, mas sim nas mãos do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), o policial federal afirmou que os integrantes dessas organizações já são naturalmente bolsonaristas ferrenhos e que está claro que o governo distrital e o secretário de Segurança Pública local, Júlio Danilo, a quem fez duras críticas, estão atendendo aos desígnios de Jair Bolsonaro e do ministro da Justiça, Anderson Torres, que era de que deixassem “a coisa rolar”.
“O secretário de Segurança Pública do DF é um capacho do ministro (da Justiça) Anderson Torres… Todo mundo do meio aqui conhece esse playboy e ninguém nunca entendeu o que ele está fazendo lá… As policiais do DF são todas profundamente bolsonaristas, raiz mesmo… Eu tenho colegas na PM, muitos, são majores, tenentes-coronéis, na PM e nos Bombeiros, e eles são bolsonaristas e extremistas, um pessoal que não tá nem aí para o que está acontecendo, e as polícias não vão fazer absolutamente nada… A ação da Polícia Militar do DF ontem foi uma piada, uma brincadeira… Não houve uma prisão sequer e nem uma ação proativa só, preventiva, que evitasse nem que fosse a depredação dos bens públicos e privados… Os caras atacaram postos de gasolina e a PM não fez absolutamente nada, nem uma só pessoa foi presa e eles seguem agindo como se nada estivesse acontecendo”, relatou indignado o PF.
Outro ponto que o homem lotado na Presidência da República salientou mais de uma vez foi sobre a impossibilidade de que uma ação daquela magnitude, com aquela extensão e usando um aparato tão complexo fosse levada a cabo por meros bolsonaristas lunáticos, sem auxílio logístico e know-how militar.
“Meu amigo, quem tem líquido inflamável para atear fogo em vários ônibus em lugares diferentes? Pegue as imagens, aquelas imagens de centenas de botijões de gás fechando uma via… De onde tiraram tanto botijão de gás? Quem botou centenas de botijão de gás e quanto tempo leva isso? Quem fez o transporte dos botijões de gás? O que nós tínhamos ontem? A diplomação do Lula. O fato do dia, no Brasil, e até no noticiário no mundo. Nada é ao acaso. Apenas anote: a cada novo fato de repercussão do governo Lula, ou até mesmo agora, antes da posse, esse tipo de tensão e até de ataques e violência vão acontecer, e essa escalada de violência vai aumentar”, apostou.
A desinformação para despistar a autoria dos atos terroristas, gerando a tão característica “confusão” bolsonarista, marcada pelas fake news e todo tipo de maluquice, também seria institucional, conta o servidor da PF na Presidência da República. As versões mais sem sentido já saíram poucos momentos após a ocorrência dos atos violentos e envolvem sempre jogar a culpa em “infiltrados” e na “esquerda”.
“O que circula nos grupos da PF e da área de Segurança da Presidência, desde esta manhã, já é um trabalho de inversão da lógica. Já se partiu pra um discurso aberto de que isso é coisa da esquerda, de que foi black bloc, meteram a torcida do Corinthians e a Gleisi Hoffmann (presidenta nacional do PT) no meio, e é claro que nada disso é plausível, é apenas uma forma de se espalhar intencionalmente desinformação para confundir e para alimentar as redes bolsonaristas, e isso parte lá de dentro”, encerrou o PF.
O que diz o GSI
A reportagem da Fórum entrou em contato com a assessoria de imprensa do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) para que o órgão se posicionasse em relação às acusações feitas pelo servidor da Polícia Federal. A resposta veio em tom grosseiro e irônico, algo incomum para serviços de imprensa e de comunicação social de repartições públicas.
O GSI afirmou que “não cabe maiores considerações” sobre as acusações, dizendo que “a fonte é mentirosa, de má-fé e com interesses escusos” e “sugeriu” ao repórter “que selecione melhor suas fontes”.
Revista Fórum