O bolsonarismo aproveitou o .vigor eleitoral de Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno para lançar uma ofensiva contra os institutos de pesquisa, notadamente Ipec, Datafolha e Ipespe. O motivo: eles teriam se equivocado nas projeções sobre os resultado de 2 de outubro. A análise dos apoiadores do ex-capitão, porém, depende mais de conveniência do que de rigor técnico.
Não são raros os exemplos de bolsonaristas a alardearem pesquisas como a do instituto Brasmarket, desde que, evidentemente, elas apontem Bolsonaro como o vencedor do segundo turno contra Lula (PT), marcado para 30 de outubro.
Em 30 de setembro, antevéspera da primeira votação, a Brasmarket Análise e Investigação de Mercado publicou um levantamento, sempre à base de ligações telefônicas, em que Bolsonaro aparecia à frente na disputa, com 45,4% das intenções de voto, ante 30,9% de Lula.
Abertas as urnas dois dias depois, o petista obteve 48,4% dos votos válidos, contra 43,2% de Bolsonaro.
Ao contrário de institutos como Ipec, Datafolha e Ipespe, a Brasmarket costuma contratar as próprias pesquisas. O CNPJ do “contratante” é o mesmo do “pagante do trabalho”. O último levantamento antes do primeiro turno custou 30 mil reais.
A um custo de 32 mil reais, a Brasmarket publicou uma nova rodada nesta quinta-feira 20, com Bolsonaro na liderança do segundo turno: 45,4% vs. 40,8%. Trata-se de mais um resultado a destoar dos demais, que apontam uma disputa renhida, mas com Lula na dianteira.
Segundo o Portal da Transparência, a Brasmarket recebeu 23,3 mil reais do governo Bolsonaro, especificamente do Ministério da Saúde, em 14 de setembro deste ano. A licitação aparece sob a rubrica “serviços de publicidade de utilidade pública”. Os recursos saíram da contribuição para o financiamento da Seguridade Social, via Fundo Nacional de Saúde.
Os problemas
O fato de uma pesquisa estar registrada no Tribunal Superior Eleitoral não atesta, necessariamente, a qualidade do trabalho. Há outros fatores concretos sobre a metodologia a serem considerados, como um modelo de estratificação por meio de cotas amostrais, segundo a pesquisadora Carolina de Paula, doutora em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e diretora-executiva do DataIESP.
“Alguns institutos se blindam com essa justificativa de que estão com a pesquisa cadastrada e, por isso, ela é boa ou honesta. Só que o TSE é bastante flexível no que diz respeito à amostragem. Então, algumas pesquisas, como essa da Brasmarket, não têm uma metodologia de estratificação com cotas amostrais para representar a sociedade brasileira”, explicou a especialista a CartaCapital.
Segundo ela, outras pesquisas apresentam uma amostragem baseada no Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento ou na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.
Os levantamentos de qualidade demonstrada se apoiam em bancos de dados para espelhar e estimar a população em cada uma das faixas. Pesquisas como a da Brasmarket, por outro lado, “não fazem essas certificações, então, você não tem nenhuma informação sobre isso”, defende Carolina de Paula.
Para a pesquisadora, um problema central a ser enfrentado pelo TSE é a ausência de um desenho metodológico especificado, “o que a gente pode interpretar como uma intencionalidade de dar um resultado”.
Impacto direto na campanha
Na avaliação de Jorge Chaloub, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é necessário analisar os resultados de levantamentos como o da Brasmarket em um contexto mais amplo, ligado ao movimento promovido por Bolsonaro para desacreditar não apenas as urnas, mas os institutos de pesquisa.
O avanço, na Câmara dos Deputados, de um projeto que criminaliza institutos é um óbvio sinal dessas intenções, sob incondicional apoio de figuras como o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Um dos aspectos centrais dessa “dimensão”, de acordo com Chaloub, “é reforçar o discurso de que Bolsonaro concorre contra tudo e contra todos, de que ele é contra o sistema, de que os outros mentem”. Isso leva à geração de “um sentimento de desconfiança em relação às informações oficiais, e a pesquisa Brasmarket funciona como um instrumento nessa narrativa”.
Para Chaloub, a “divergência grotesca” entre a Brasmaerket e o resultado do primeiro turno “colabora com a produção de uma dúvida geral, de uma incapacidade de confiar em qualquer tipo de dado”.
Ele também diz ser “muito estranho” que uma pesquisa como essa seja custeada com recursos próprios, algo “excepcional”.
“Mesmo sem qualquer tipo de informação sobre quem está organizando ou financiando isso, inegavelmente essa pesquisa ocupa um papel de contribuir com esse cenário de dúvida geral que Bolsonaro quer criar. De uma certa destruição dos parâmetros entre verdadeiro e falso, mesmo no sentido muito mais frágil dessas palavras.”
CartaCapital procurou a Brasmarket, mas ainda não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestação do instituto.
Carta Capital