Bolsonaro usa reunião com embaixadores para fazer novos ataques sem provas às urnas eletrônicas e ao TSE

O presidente Jair Bolsonaro usou a reunião com embaixadores na tarde desta segunda-feira para, sem provas, fazer ataques às urnas eletrônicas e colocar em dúvida o processo eleitoral brasileiro. Em discurso, o […]



O presidente Jair Bolsonaro usou a reunião com embaixadores na tarde desta segunda-feira para, sem provas, fazer ataques às urnas eletrônicas e colocar em dúvida o processo eleitoral brasileiro. Em discurso, o chefe do Executivo voltou a fazer acusações infundadas sobre a segurança e a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro, além de criticar o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em evento no Paraná logo depois, o presidente do TSE, Edson Fachin, fez um discurso duro e, sem citar nomes, pediu um ‘basta à desinformação e ao populismo autoritário’.

— Quando se fala em eleições, vem à nossa cabeça transparência. E o senhor Barroso (Luís Roberto Barroso, ex-presidente do TSE) , também como senhor Edson Fachin (presidente do TSE), começaram a andar pelo mundo me criticando, como se eu estivesse preparando um golpe. É exatamente o contrário o que está acontecendo — afirmou Bolsonaro. — Não é o TSE que conta os votos, é uma empresa terceirizada. Acho que nem precisava continuar essa explanação aqui. Nós queremos obviamente, estamos lutando para apresentar uma saída para isso tudo. Nós queremos confiança e transparência no sistema eleitoral brasileiro — disse o presidente.

Nunca houve fraudes nas eleições brasileiras desde que as urnas eletrônicas foram implantadas, em 1996. Ao contrário do que o presidente disse, a contagem de votos é feita pelo próprio TSE.

Bolsonaro decidiu se encontrar com embaixadores depois que o ministro Edson Fachin fez uma reunião com algumas representações e, segundo o presidente, ter atacado a Presidência da República de forma indireta. Ele chegou a chamar a iniciativa do ministro de “estupro à democracia”.

— Houve uma reunião do ministro Fachin com alguns dos senhores ou representantes alertando-os contra acusações levianas. O que eu estou falando aqui não tem nada de leviano.

Fachin foi convidado pela Presidência para a reunião desta segunda, mas recusou, alegando que, como presidente da Corte que julga a legalidade das ações de pré-candidatos e candidatos, “o dever de imparcialidade impede de comparecer a eventos por eles organizados”. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, também convidado, não compareceu.

Nesta segunda-feira, Bolsonaro mencionou que fará um novo convite a algumas autoridades que não estiveram presentes e que chamará também integrantes do Senado e da Câmara dos Deputados.

Bolsonaro começou sua fala, que durou cerca de 50 minutos, pouco depois das 16h. Ele relatou sua trajetória até o Planalto e citou a facada que sofreu de Adélio Bispo durante a campanha de 2018.

A lista de embaixadores presentes não foi divulgada. Os carros das embaixadas chegaram ao Palácio do Alvorada sem identificação. Ao fim do discurso, Bolsonaro recebeu aplausos tímidos. Segundo relatos, parte dos embaixadores se retirou sem cumprimentar o presidente.

Participaram da reunião o chanceler Carlos França, os ministros Paulo Sérgio Oliveira (Defesa), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Ciro Nogueira (Casa Civil), Célio Faria (Secretaria de Governo), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral), além do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e cotado a vice na chapa à reeleição.

Os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral fizeram com que o presidente virasse alvo de investigações no STF e no TSE.

Em agosto de 2021, após uma “live” em que Bolsonaro prometeu apresentar provas de fraudes nas eleições, mas não o fez, o TSE abriu um inquérito administrativo para apurar os ataques feitos ao sistema eletrônico de votação. Na ocasião, a Corte eleitoral também pediu para que o presidente fosse investigado em um inquérito já aberto no Supremo.

A divulgação de informações confidenciais contidas no inquérito da Polícia Federal que investiga o ataque hacker sofrido pelo TSE em 2018 também fez com que o ministro Alexandre de Moraes determinasse a abertura de nova investigação para apurar se houve crime por parte do presidente. A investigação passou a ser um desdobramento do inquérito das fake news.

Cópias dos inquéritos

Bolsonaro afirmou que entregaria cópias do inquéritos aos embaixadores que solicitarem e reafirmou que a classificação “sigilosa” é “infundada”.

— Essa acusação de que eu vazei dados… O inquérito não tem qualquer classificação sigilosa, é uma acusação simplesmente infundada. Carece de base, de amparo legal. É uma acusação mentirosa. Tenho cópia desse inquérito comigo, e quem, porventura, quiser ter acesso a ele, eu forneço a cópia.

No âmbito dessa apuração sobre o vazamento de informações sigilosas, em fevereiro a Polícia Federal (PF) concluiu que o presidente, o deputado Filipe Barros (PSL) e o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens da Presidência da República, cometeram o crime de violação de sigilo funcional.

O objetivo, de acordo com a PF, foi espalhar informações falsas sobre a segurança das urnas eletrônicas. Com isso, houve danos à confiança no sistema de votação usado no Brasil.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, contrariou relatório e pediu o arquivamento do caso em maio. A Advocacia-Geral da União (AGU), que defende o presidente, vem sustentando que o inquérito sobre o ataque hacker não era sigiloso.

Bolsonaro, em campanha pela reeleição, também fez ataques ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera a corrida presidencial. O atual chefe do Executivo voltou a repetir a informação falsa que uma decisão de Fachin tirou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da cadeia. Lula, no entanto, foi solto após decisão do colegiado do Supremo Tribunal Federal (STF) ter mudado o entendimento sobre a condenação em segunda instância. Ele também tentou questionar a imparcialidade dos ministros Barroso e Alexandre de Moraes.

— Nós vemos claramente, ministro Fachin foi quem tornou Lula elegível, e agora é presidente do TSE. Ministro Barroso foi advogado do terrorista (Cesare) Battisti, que recebeu aqui o acolhimento do presidente Lula em dezembro de 2010. O ministro Alexandre de Moraes advogou no passado para grupos que, se eu fosse advogado, não advogaria — repetiu Bolsonaro.

Aos embaixadores, enquanto questionava a confiabilidade do sistema eleitoral, Bolsonaro ressaltou que viaja por todo o Brasil, “no meio do povo”, enquanto “o outro lado, não”. Disse que as pessoas que estão ao lado do seu adversário não querem um sistema eleitoral transparente e ainda esperam o reconhecimento do resultado da eleição imediatamente. Antes das declarações, ele mostrou imagens de duas motociatas para ilustrar sua boa recepção pelo eleitor.

— Sou muito bem recebido em qualquer lugar, ando no meio do povo. O outro lado não, sequer toma café ou almoça no restaurante do hotel, come no seu quarto, porque não tem aceitação. Agora, pessoas que devem favores a ele não querem um sistema eleitoral transparente. Pregam o tempo todo que imediatamente após anunciar o resultado das eleições os respectivos chefes de Estado dos senhores devem reconhecer imediatamente o resultado das eleições — afirmou.

Bolsonaro voltou a repetir as declarações que levaram à cassação, em outubro de 2021, pelo TSE, do deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (União-PR) por propagação de fake news contra as eleições.

— Eu teria dezenas e dezenas de vídeos para passar para os senhores por ocasião das eleições de 2018, onde o eleitor ia votar e simplesmente não conseguia votar. Ou quando ele apertava número 1 e depois ia apertar o 7 e aparecia o 3, e o voto ia para o outro candidato. O contrário ninguém reclamou.

O julgamento de Francischini foi o primeiro em que houve condenação de um parlamentar por fake news no TSE e é considerado um marco para casos parecidos. O parlamentar foi cassado em outubro do ano passado pelo TSE por dizer sem provas, durante uma live, que as urnas eletrônicas estavam fraudadas para impedir a eleição de Bolsonaro à presidência da República. A live foi realizada no dia do primeiro turno das eleições de 2018.

O TSE já afirmou que nos vídeos citados é possível verificar “nitidamente” que houve engano dos eleitores sobre a ordem de votação, ou seja, tentaram votar para presidente enquanto a urna solicitava votação para o cargo de governador.

“Dessa forma, ao ser digitado o pretendido número do candidato à presidência, a urna alertou que o voto seria nulo, visto que não havia candidato a governador correspondente àquele número”, disse a Corte em nota, também desmentido a suposta apreensão de urnas.

Imprensa fica fora

O evento foi transmitido pela TV Brasil ao vivo, e a imprensa foi impedida de acompanhar. Só foi autorizado a entrar no Alvorada quem se comprometesse a transmitir o discurso de Bolsonaro ao vivo. Desde o dia 2 de julho, por limitações impostas pela Legislação Eleitoral, a TV Brasil parou de fazer transmissões ao vivo dos eventos do presidente. O Palácio do Planalto também tirou do ar todas as páginas do governo das redes sociais para evitar problemas com a legislação.

O núcleo da campanha já alertou Bolsonaro que os ataques e questionamentos eleitorais não agregam votos. A menos de um mês do início oficial da disputa pelo Palácio do Planalto, a campanha tenta dar uma guinada para alavancar o nome de Bolsonaro nas pesquisas eleitorais. Entre os objetivos, está recuperar os eleitores arrependidos e furar a bolha bolsonarista. Para isso, Bolsonaro deveria parar de “pregar para convertidos”. Interlocutores disseram ao GLOBO que a agenda desta segunda-feira saiu do gabinete presidencial, sem a participação da equipe de reeleição.

Em nota oficial, o Palácio do Planalto afirmou que o encontro desta segunda-feira ocorreu com o objetivo de ser um “intercâmbio de ideias sobre o processo eleitoral em curso no nosso país” e que o presidente Jair Bolsonaro “sublinhou aos titulares e representantes diplomáticos presentes seu desejo de aprimorar os padrões de transparência e segurança do processo eleitoral brasileiro”.

O Globo