Câmara aprova texto principal de projeto que flexibiliza lei de improbidade

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (5) o texto principal do projeto de lei que flexibiliza a lei de improbidade administrativa e passa a exigir a comprovação de dolo […]


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A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (5) o texto principal do projeto de lei que flexibiliza a lei de improbidade administrativa e passa a exigir a comprovação de dolo (intenção) para a condenação de agentes públicos.

O projeto de lei foi aprovado pela Câmara em junho, mas voltou para análise dos deputados porque foi modificado pelo Senado. Por isso, na votação desta terça, os deputados analisaram somente as mudanças feitas pelos senadores — oito, no total.

A proposta foi votada pelos deputados menos de uma semana depois ter sido apreciada, no mesmo dia, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pelo plenário do Senado.

O relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), disse que o texto já foi discutido e, por isso, não há que se falar em trâmite “acelerado” da matéria.

“Não tem nada acelerado. Já foi discutido o projeto e todos estão conscientes. Não tem problema não”, afirmou Zarattini ao g1.

Para a conclusão da votação, os deputados ainda precisam analisar os destaques (sugestões de alteração) apresentados pelos próprios deputados às emendas feitas pelos senadores.

Isso, porém, só deve ocorrer na sessão desta quarta-feira (6). Em seguida, a matéria seguirá para sanção presidencial.

A proposta

A lei de improbidade administrativa, de 1992, trata das condutas de agentes públicos que:

  • atentam contra princípios da administração pública;
  • promovam prejuízos aos cofres públicos;
  • enriqueçam ilicitamente, se valendo do cargo que ocupam.

Uma das principais alterações estabelecidas pela proposta é que será exigida a comprovação de dolo — intenção de cometer irregularidade — para a condenação de agentes públicos.

Pelo projeto, servidores públicos que tomarem decisões com base na interpretação de leis e jurisprudências também não poderão ser condenados por improbidade.

O texto ainda determina que só será cabível ação por improbidade se houver dano efetivo ao patrimônio público.

Atualmente, a lei de improbidade permite a condenação de agentes públicos que lesarem os cofres públicos por omissões ou atos dolosos e culposos, isto é, com ou sem intenção de cometer crime.

Para especialistas, a mudança prevista no projeto, na prática, dificulta a condenação e, consequentemente, pode atrapalhar o combate a irregularidades.

Segundo o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta, é “muito difícil” comprovar a intenção nos casos de improbidade.

Por sua vez, defensores da medida, parlamentares em sua maioria, dizem que a alteração é necessária para dar mais segurança aos gestores públicos na tomada de decisões, principalmente, nas prefeituras de pequenas cidades.

Enriquecimento ilícito

O projeto estabelece também que, em casos de enriquecimento ilícito e prejuízo aos cofres públicos, a sanção de perda de função pública atinge somente o vínculo de mesma natureza da época que o político cometeu a infração.

Ou seja, se um deputado federal for condenado por improbidade em razão de fatos da época em que era um deputado estadual, por exemplo, ele não pode perder o mandato.

O texto permite, no entanto, que, em caráter excepcional, a Justiça estenda a punição a outros vínculos públicos “considerando-se as circunstâncias do caso e a gravidade da infração”.

Exclusividade do MP

Pelo texto, o Ministério Público será o único órgão legitimado a propor ações de improbidade. Atualmente, órgãos de estados, municípios e a União podem propor essas ações.

Isso, segundo Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais, pode afetar as negociações dos acordos de leniência da lei anticorrupção.

Restrições

O texto do projeto deixa de exemplificar condutas consideradas como improbidade administrativa para definir, em um rol restrito, taxativo, o que de fato pode ser considerado improbidade.

Advogados públicos da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais dizem que esta mudanças excluem condutas hoje consideradas improbidade, como assédio sexual, moral e tortura.

Acordo de não persecução

O texto também prevê que o Ministério Público poderá fechar acordo de não-persecução penal, no qual o Estado decide não processar um criminoso por determinado delito.

Segundo a proposta, o acordo só poderá ser feito se forem cumpridos os seguintes requisitos:

  • integral ressarcimento do dano;
  • revertida à pessoa jurídica lesada a vantagem indevida obtida;
  • seja ouvido o ente federativo lesado;
  • seja aprovado o acordo, no prazo de até 60 dias, pelo órgão do Ministério Público competente;
  • haja homologação judicial, independentemente de o acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de improbidade administrativa.

Conforme a proposta, a celebração deste acordo levará em conta:

  • personalidade do agente;
  • natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do ato de improbidade;
  • vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.

O projeto estabelece ainda que o acordo poderá ser feito:

  • durante as investigações;
  • no curso da ação de improbidade;
  • após a execução da sentença condenatória.

A competência para firmar o acordo será de exclusividade do MP. Se o investigado descumprir os termos do acordo de não persecução, ficará 5 anos sem poder fazer novo acordo do tipo com o órgão.

Nepotismo

O relator da proposta na Câmara, Carlos Zarattini (PT-SP), rejeitou em seu parecer um dispositivo, incluído pelos senadores, que retirava a exigência de comprovação de dolo em caso de nepotismo em indicações políticas feitas por agentes públicos que tenham cargo eletivo.

Ou seja, na prática, a lei exigirá provas de que a indicação de um familiar foi feita com intenção de cometer irregularidade.

O relator defende que a redação da proposta, como veio do Senado, é dúbia. Além disso, afirma que a proposta caracteriza o nepotismo como improbidade administrativa.

Outros pontos

  • Nepotismo: O projeto fixa a redação de uma súmula do Supremo Tribunal Federal (STF) que trata de nepotismo, que passa a ser descrito como: “Nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas”. Atualmente, a lei não define o nepotismo como uma das hipóteses de improbidade.
  • Prazos: o texto prevê que o inquérito civil para apuração de ato de improbidade deve ser concluído em um ano, prorrogável uma única vez por igual período. Atualmente, não há prazo. Além disso, o Ministério Público terá um ano, a partir da publicação da lei, para manifestar interesse no prosseguimento de ações propostas pelas fazendas públicas.
  • Direitos políticos: Em caso de enriquecimento ilícito, o projeto aumenta de até 10 anos para até 14 anos a suspensão dos direitos políticos do agente. O texto também prevê multa equivalente ao valor incorporado ao patrimônio, que pode ser dobrada (hoje, a lei estabelece multa de até três vezes o valor). Condenados também ficarão sem poder contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais do governo por até 14 anos (hoje são 10 anos).
  • Honorários de sucumbência: os cofres públicos terão que arcar com o pagamento dos chamados “honorários de sucumbência” dos advogados dos acusados, no caso de improcedência da ação de improbidade movida pelo Ministério Público, se for comprovada má-fé.
  • Prejuízo ao erário: em caso de prejuízo ao erário público, a suspensão de direitos políticos passará de até 8 anos para até 12 anos. A multa será equivalente ao valor desviado (a lei atual estabelece multa de até duas vezes). A proibição de contratar e receber incentivos do Poder Público será de até 12 anos (hoje são 5 anos).
  • Atentado aos princípios da administração pública: em caso de atos que atentem contra princípios da administração pública, foi excluída a suspensão de direitos políticos. A multa cairá de até 100 vezes o valor do salário do agente para até 24 vezes. A proibição de contratar com o Poder Público e receber incentivos subiu de 3 anos para até 4 anos.
  • Execução das sanções: as sanções previstas na lei só poderão ser executadas após o trânsito em julgado da condenação, ou seja, quando não couberem mais recursos judiciais;
  • Absolvição: a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação por improbidade;
  • Competência do MP: a ação de improbidade será de competência exclusiva do Ministério Público;
  • Prescrição: a prescrição para a propositura da ação por improbidade é de 8 anos, contados a partir da data de ocorrência do fato, ou, em casos de crimes permanentes, do dia em que cessou a prática. Críticos dizem que esse ponto favorece a quem tem condições de, por meio de recursos, atrasar processos na Justiça;
  • Propaganda pessoal com dinheiro público: usar dinheiro público para se enaltecer e personalizar atos, programas, obras, serviços ou campanhas de órgãos públicos será considerado improbidade se comprovada a intenção de obter benefício para si ou terceiros;
  • Licitações: fraudes a licitações ou a processo seletivo para firmar contratos com entidades sem fins lucrativos só serão classificados como improbidade se acarretarem perda patrimonial efetiva;
  • Ilícitos: será punido o agente que agir “ilicitamente” na conservação do patrimônio público ou na arrecadação de tributos ou renda;
  • Benefícios tributários: conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário de forma indevida só será improbidade se houver perda patrimonial efetiva e se comprovar dolo do agente;
  • Sigilo: revelar fatos ou circunstâncias sigilosas só será crime se a informação privilegiada prover benefícios ou colocar em risco a segurança da sociedade e do Estado;
  • Concurso público: frustrar a legalidade de concurso público será crime se o ato for tomado em benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros.
  • Prestação de contas: o agente que deixar de prestar contas de caráter obrigatório será enquadrado em improbidade quando tentar ocultar irregularidades;
  • Interpretação de leis: atos ou omissões baseadas em interpretações de leis, e jurisprudência não configuram improbidade administrativa;
  • Responsabilização de terceiros: terceiros só serão responsabilizados se tiverem influência na prática ilícita, seja induzindo ou concorrendo dolosamente para sua ocorrência, afastando-se a possibilidade de processar quem não participou minimamente do ato;
  • Indisponibilidade de bens: poderá haver indisponibilidade liminar (provisória de bens) de acusado por improbidade, mas o bloqueio será feito, prioritariamente em bens de menor liquidez, como carros e imóveis, evitando-se bloqueio direto de contas bancárias, “de forma a garantir a subsistência do acusado ao longo do processo”.
  • Entidades privadas: caberá ação por improbidade no âmbito de entidades privadas se estas receberem recursos públicos;
  • Condenação de pessoa jurídica: o projeto estabelece que no caso de condenações de pessoas jurídicas, os efeitos econômicos e sociais das sanções devem ser observados para viabilizar a manutenção de suas atividades;
  • Artigos revogados: foram revogados artigos que incluíam como hipóteses de improbidade a “prática de ato visando fim proibido em lei” e a “transferência de recursos a entidade privada, em razão da prestação de serviços na área de saúde sem a prévia celebração de contrato, convênio ou instrumento congênere”;
  • Partidos políticos: atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou suas fundações, serão responsabilizados pela Lei dos Partidos Políticos e não pela lei de improbidade. Para críticos, a mudança abre espaço para uso mal intencionado de recursos dos fundos partidário e eleitoral.

G1