“Farra do lixo” de Bolsonaro desvia R$ 12 milhões para empresas de fachada

Casa abandonada em Goiânia era a “sede” de uma delas. Dono da outra, que recebeu R$ 9 milhões do governo Bolsonaro, tem como dono um beneficiário do auxílio emergencial Detalhes […]



Casa abandonada em Goiânia era a “sede” de uma delas. Dono da outra, que recebeu R$ 9 milhões do governo Bolsonaro, tem como dono um beneficiário do auxílio emergencial

Detalhes da farra dos caminhões de lixo superfaturados começa a vir à tona. Uma casa abandonada em Goiânia (GO) é a sede, no papel, de uma empresa que forneceu caminhões de lixo para o governo, num total de R$ 12 milhões, segundo informa o Estadão. A Globalcenter Mercantil Eireli é uma empresa de fachada e sem sede registrada em nome de Herbert Rafael Lacerda Neco.

ORÇAMENTO SECRETO

Mas, não é só isso. Na mesma região, outra firma foi beneficiada com o desvio de verbas do orçamento secreto. Esta é mais escandalosa ainda pois está em nome de Jair Balduíno de Souza, um beneficiário do auxílio emergencial. A empresa foi agraciada com um contrato de R$ 9 milhões para a “venda” de caminhões de lixo no ano passado. Não é à toa que o senador Randolfe Rodrigues chamou este esquema de bolsolão do lixo e pediu investigação.

As duas empresas fantasmas, que dividem escritório em Goiânia, estão na lista dos principais fornecedores de caminhões de lixo para a Codevasf, em valores acima do mercado. Elas são arapucas que vendem caminhões de lixo para o governo com preços superfaturados. Num dos casos, o governo aceitou pagar a uma delas até R$ 85,6 mil a mais pelo mesmo caminhão comprado dois meses antes por um valor menor.

A Globalcenter está em nome de Herbert Rafael Lacerda Neco, de 30 anos, que começou a vender caminhões em 2020. No mesmo ano, já venceu licitações milionárias. A outra, que tem o nome de Fibra, está num galpão recém-reformado próximo da Globalcenter. No papel, Jair Balduíno de Souza é o dono. Só que na pandemia ele pediu ao governo auxilio emergencial de R$ 600. Enquanto recebia o benefício, ele vencia licitações milionárias.

Juntas, as duas empresas já lucraram R$ 3,8 milhões por vendas de outros veículos à Codevasf, como caminhões basculantes e com carroceria de madeira entre 2021 e 2022. Além do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), fizeram emendas que beneficiaram as empresas a deputada Bia Kicis (PL-DF), de R$ 839,4 mil, e a deputada Magda Mofatto (PL-GO), de R$ 297,9 mil. A deputada de Brasília disse que apenas indicou emendas para a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

A farra na compra de caminhões de lixo através de licitações irregulares na Codevasf e a sua distribuição nos currais eleitorais de políticos bolsonaristas tem sido revelada pelo Estadão numa série de reportagens. Há relatos de licitações concluídas em 88 segundos. O jornal identificou indícios de superfaturamento de R$ 109 milhões em contratos com empresas em nome de “laranjas” e ligadas a políticos – como o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.

Apressado em torrar a verba do orçamento secreto, o senador bolsonarista Vanderlan Cardoso se envolveu diretamente na interlocução com essas empresas. Dos R$ 21 milhões previstos para as duas empresas de Goiânia – Globalcenter Mercantil Eireli e Fibra Distribuição e Logística Eireli –, R$ 4,7 milhões foram direcionados pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) para a compra de 15 veículos compactadores de lixo.

Especialista em licitação, o advogado Anderson Medeiros Bonfim afirma que a atitude do senador pode ferir o princípio da moralidade pública. “Parlamentar não é administrador público, razão pela qual deve cingir às suas atribuições institucionais, sem se imiscuir ou procurar influenciar contratos administrativos em execução. O ato de indagar se há estoque de determinado produto é uma conduta atípica, que deve ser investigada”, afirmou.

Os donos da Globalcenter e da Fibra dividem o mesmo escritório em Goiânia e ameaçaram os repórteres que foram ao local. Pressionado, o laranja da Globalcenter disse que tinha fechado a empresa no fim de 2020 por dificuldades financeiras. Ao contrário do que ele afirmou, a firma continuou atuando em pregões após o suposto fechamento. Até hoje, está ativa e registrada em nome dele na Receita Federal.

MICROEMPRESA AGRACIADA COM MILHÕES

Por sua vez, a Fibra se declarava à Receita Federal como microempresa – condição que limita o faturamento bruto em R$ 360 mil. “Antes, eu mexia com merenda escolar e fui migrando. A gente vai vendendo para os outros e vendo o que dá mais dinheiro. Daqui a dez anos, você volta aqui pra ver”, disse ao explicar a entrada repentina no mercado de veículos pesados.

Antes de ganhar as licitações na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) para a venda de caminhões de lixo, a Globalcenter vendia ar-condicionado, computadores e outros produtos. A empresa foi punida administrativamente por prefeituras, pelo governo de Goiás e até pelo Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão por não cumprir contratos.


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