Ungidos da educação: um paradoxo do MEC

O mês de março caminha para seu fim e, durante todo o mês, tentei escrever sobre um tema que trouxesse a mim e aos leitores uma discussão talvez mais amena, […]



O mês de março caminha para seu fim e, durante todo o mês, tentei escrever sobre um tema que trouxesse a mim e aos leitores uma discussão talvez mais amena, quem sabe menos carregada de problemas, mas, no Brasil, tem sido difícil fugir da realidade e respirar refrigérios. Trago aqui, por isso, uma problemática que afeta diretamente os já nada suaves caminhos da sociedade brasileira.

Não é de hoje que a educação deste país rasteja em frangalhos, afinal, sempre nos encontramos nos contextos mais adversos nessa área: evasão escolar, índices altos de analfabetismo, letramento capenga; precária formação de professores, remuneração irrisória, carga horária desumana, etc, etc, etc. São tão visíveis esses problemas, que sua exposição chega a ser redundante, cansativa.  Entretanto, a contragosto do que deseja a maioria da classe política, não nos faltam estudos e ações resolutivas acerca desses problemas, mas, para que se mantenha o “status quo” apropriado para que a “politicalha” se eternize, o fato é que essas resoluções apodrecem nos trabalhos acadêmicos e na vontade de muitos educadores brasileiros. As intervenções na educação do país apenas se constituem medidas paliativas; nunca definitivas. E esse proposital paradoxo mantém a difícil realidade educacional vivenciada pela maioria dos estudantes e professores do Brasil.

A propósito do debate que aqui se inicia, não custa traçar uma síntese da trajetória de Ministros da Educação no governo Bolsonaro. De 2019 para cá, neste governo em clara decadência, cinco Ministros já presidiram a pasta, cujo orçamento, mesmo depois de um significante corte de R$ 736,3 milhões, é de R$ 137,9 bilhões este ano. Ao longo desses exaustivos e danosos anos de (des)governo, seus Ministros, “criteriosamente” escolhidos, têm legados insignificantes. Ricardo Vélez, o 1º, assumiu o gabinete no dia 1º de janeiro de 2019, permanecendo no cargo por três meses, e deixou a pasta no dia 8 de abril de 2019, demitido pelo Presidente. O colombiano Vélez se envolveu em diversas polêmicas durante seu tempo à frente do MEC. O então Ministro solicitou aos diretores de escolas do Brasil que filmassem seus alunos cantando o hino nacional, recitando o lema de Bolsonaro em sua campanha: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Após uma repercussão negativa, Vélez se desculpou e retirou o pedido. O 2º ministro foi Abraham Weintraub, que permaneceu à frente do MEC por menos de um ano. Weintraub teria abandonado o cargo após receber um convite para ser diretor representante do Brasil no Banco Mundial, em Washington, EUA, com um salário de pouco mais de 115 mil reais. Sua gestão também foi marcada por diversas polêmicas, além das vergonhosas demonstrações de que pouco conhece a Língua Portuguesa. O inepto é investigado pelo Supremo Tribunal Federal por crime de racismo, além de um inquérito sobre “fake News”. Treze dias após a saída de Abraham, Bolsonaro divulgou que  Carlos Decotelli assumiria o Ministério da Educação, elogiando-o por suas competências por meio das redes sociais. Contudo, Decotelli teve sua nomeação cancelada após a repercussão de que teria mentido sobre diversas informações em seu currículo. O empresário Renato Feder, segundo o site do STE, entregou a 7ª maior quantia entre os doadores da campanha eleitoral de 2018, e foi convidado para substituir Decotelli, mas recusou. Em 2019, o governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Junior e o então Secretário de Educação do estado, Renato Feder, foram intimados pelo Ministério Público do Paraná a responder por tentativa de fraude no sistema educacional paranaense, ao maquiar o Índice do Desenvolvimento da Educação Básica do Paraná (IDEB).

Depois de tudo isso, o que parecia impossível aconteceu: assume o Ministério da Educação o pastor e professor Mílton Ribeiro, já envolvido em algumas polêmicas. O dizer e o fazer bobagens, sem dúvida, são características precípuas de todos os ministros selecionados por Bolsonaro. Em 2018, por exemplo, Milton Riberio afirmou que as universidades incentivam sexo “sem limites” por meio do pensamento existencialista. Não sei bem em qual aspecto do Existencialismo ele se ampara para tão brilhante tese. O fato é que, além de liderado por vários ignorantes, neofascistas e inoperantes, o MEC se transformou em um ambiente sórdido, corrompido, cabide de corrupção, incompetência e desmandos. Nesses quatro anos, não somente o falso-moralismo doente, como também as ideologias hipócritas de correntes pseudocristãs agem nesse Ministério como se ele fosse extensão de suas casas, de suas igrejas, de suas pocilgas. O original propósito do Ministério da Educação está distante da realidade, visto que nada de substancial, de definitivo é feito, para que as mazelas da educação brasileira sejam diminuídas. O que sobra nessa pasta é a capacidade articulatória do “ungido” Ministro para construir uma estrutura paralela de poder, com o objetivo de obter propinas e vantagens ilícitas de prefeituras de todo o Brasil, coadunado com outros “ungidos” e com seu mestre, seu Messias que, como todo bom líder, demanda as ações de seus liderados. O arquiteto dessa “bênção avessada” não dá o menor sinal de que tomará alguma atitude positiva, nem que seja para tentar diminuir os danos de sua já desgastada imagem, em um ano eleitoral. Esperar desse “senhor de tolos” uma ação positiva é mesmo uma grande tolice.

Os pastores Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura, “co-ministros, adjuntos, que não têm cargos no governo, agem como lobistas e, desde o início de 2021, vêm intermediando verbas do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), com os municípios, para a construção de escolas, creches e fornecimento de equipamentos e serviços de educação. Obviamente, esse esquema envolve forte tráfico de influência e, por isso, recursos só eram liberados depois da anuência dos pastores, que viajavam com o Ministro em aviões da FAB e participavam de muitas reuniões internas, mesmo sem função pública. Segundo a Istoé, “o esquema é tão forte que prefeitos que conseguiam o atendimento de suas demandas precisavam retribuir com dinheiro vivo, barras de ouro, contratos de compra de Bíblia e apoio para eventos pentecostais, promovendo cultos e contribuindo para a construção de igrejas.” Quanta mancha de sangue, de suor do trabalhador brasileiro há nessas edificações! Nada mais medieval na contemporaneidade! Qualquer semelhança não é mera coincidência, mas um eco forte de um Estado que teima em não se distanciar da religião, ou melhor, em nosso caso, dos pseudocristãos.

O que nos resta, para além de muita revolta, é aguardar vigilantemente os desdobramentos desse caso e o que fará a oposição, que me parece deitada, há quatro anos, em berço esplêndido, na torcida para que o caos se amplie e se nutra um terreno mais fértil para sua ascensão ao poder. Também nos resta esperar o modo como as instituições deste país nos darão respostas à própria inércia que já nos maltrata tanto. Decerto, o prejuízo maior é sempre do povo que, todo dia, no país do cristo de “braços abertos em um cartão postal”, vive o desafio de enfrentar a vida, empunhada pela face dura do mal travestido em “homens e mulheres de bem.”

Espero, caros leitores, caras leitoras, sinceramente, poder amenizar meu discurso no mês que se aproxima, mesmo que os fatos não colaborem para materializar minha esperança.  

Por Klitia Cimene