III Sarau Anayde Beiriz resgata a história de Pagu em noite de resistência cultural na cidade de Patos

O público que compareceu ao auditório da Fundação Ernani Sátyro (FUNES), para prestigiar o 3º Sarau Anayde Beiriz, na noite desta sexta-feira, dia 25, se deparou com momentos preparados para […]



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O público que compareceu ao auditório da Fundação Ernani Sátyro (FUNES), para prestigiar o 3º Sarau Anayde Beiriz, na noite desta sexta-feira, dia 25, se deparou com momentos preparados para resgatar a história de Patrícia Rehder Galvão, conhecida como Pagu, que foi poetisa, escritora, diretora artística, tradutora, desenhista, cartunista, jornalista e militante comunista da política brasileira nas décadas de 20 e 30 do século XX.

O evento foi organizado pelo Movimento de Mulheres Olga Benário e se propõe a resgatar a história de mulheres que deram relevantes contribuições para a cultura, a arte e a política, mas que são pouco reconhecidas na sociedade contemporânea. Em 2021, a 2ª edição do Sarau Anayde Beiriz aconteceu de forma virtual e homenageou a poetisa Carolina de Jesus.

O cantor e músico Alex Nill abriu a parte cultural do sarau e depois as professoras Gerlúzia Vieira e Klítia Cimene fizeram o resgate históricos da época vivia por Pagu e sobre a própria homenageada que teve uma vida intensa, heróica e desafiadora para o período conturbado no Brasil das décadas de 20 e 30. 

Dando liberdade para as expressões culturais, homens, mulheres e até crianças usaram os microfones para declamar poesias. Ao realizar mais um sarau, o Movimento de Mulheres Olga Benário contribui de forma efetiva para superar limites, pois os esforços são para que a resistência cultural faça parte do cotidiano dos que sonham, lutam e acreditam em dias melhores para o povo.

O 3º Sarau Anayde Beiriz recebeu o apoio da FUNES, do gabinete do vereador sindicalista José Gonçalves (PT) e do curso de redação da professor Klítia Cimene.


Veja o material lido pela professora Klitia Cimene sobre a vida de Pagu:


“A arte esteve sempre intimamente ligada ao contexto histórico de seu artista. Em 1922, por exemplo, o Brasil comemorava o centenário de sua independência política, mas as mudanças significativas das quais precisava o país não ocorreram. A ideia da movimentação artística, então, era expressar a realidade do que ocorria por aqui de forma disruptiva, se distanciando da arte extremamente formal que era dominante à época, em especial, a poesia rebuscada do Parnasianismo. Nesse sentido, a produção artística brasileira recebia agora influências das vanguardas europeias, que se apresentavam focadas na euforia e no pessimismo, na negação das formas fixas do academicismo e faziam críticas às convenções burguesas.

O mundo vivia as terríveis sequelas da primeira Guerra Mundial e o Brasil, entre outros importantes fatos históricos, vivenciava as consequências da eclosão da Revolta da Vacina, contra a vacinação obrigatória, na cidade do Rio de Janeiro, da Revolta da Chibata e da Guerra do Contestado. No Rio de Janeiro, ocorria também o movimento tenentista, conhecido como “Revolta dos 18 do Forte de Copacabana”. No Nordeste do país, o cangaço começava a se fundamentar. Na década de 1920, o Brasil tinha a grotesca porcentagem de cerca de 70% de sua população constituída de analfabetos; o acesso à arte literária era insignificante. A literatura era produzida e lida pela elite, para a elite e, quase sempre, sobre a elite. Democratizar era preciso, mas não havia interesse em materializar essa necessidade.

   Consequente de sua época, inspirado em tudo que de mais inaugural existia, um conjunto de artistas brasileiros promove a Semana de Arte Moderna, evento principal do movimento artístico modernista brasileiro. Se a marginalização estava presente desde o sertão nordestino até o subúrbio carioca; se a classe operária era socialmente excluída, gerando revolta e intensificando as greves, as artes, por sua vez, eram usadas como forma de expressão para denunciar os entraves políticos, sociais e econômicos do Brasil. A arte emergente aqui se apresenta como um tipo singular de protesto, que transformou o modo como a arte brasileira passou a ser elaborada e vista.

Nesse contexto vanguardista e revolucionário, emergem nomes fundamentais: Oswald de Andrade e Mário de Andrade; Heitor Villa-Lobos. Anita Malfatti; Tarsila do Amaral. Estes, os mais conhecidos; outros, cem anos depois do evento, nada populares, Agenor Fernandes Barbosa, Tácito de Almeida, Regina Graz e Zina Aita. Artistas injustamente omitidos na maioria dos livros didáticos, por exemplo.

O Movimento de Mulheres Olga Benário, em seu III Sarau Anayde Beiriz, a propósito do centenário da Semana de Arte Moderna, homenageia um eco de todo esse contexto. Um consequente ícone de uma geração que transformou a história da arte brasileira, porque ousou quebrar paradigmas e chegar mais perto do povo. Foi uma, entre os remanescentes do Modernismo, que permaneceu fiel ao movimento. A maioria não resistiu às críticas e sucumbiu ao academicismo elitista.

Segundo Pagu,

“O escritor da aventura não teme a aprovação ou a reprovação dos leitores. É-lhe indiferente que haja ou não, da parte dos críticos, uma compreensão suficiente. O que lhe importa é abrir novos caminhos à arte, é enriquecer a literatura com germens que venham a fecundar a literatura dos próximos cem anos.”

A brasileira Patrícia Rehder Galvão , escritora, poeta, desenhista, tradutora, feminista e militante política, era membro da burguesia paulista, mas se dissociou da ideologia desse grupo e, por meio da arte e de um estilo de vida nada habitual para a sociedade falso-moralista de então e, aos 20 anos já fazia parte do círculo intelectual antropofágico, que  propunha associar ao ato de ruminar, assimilar e deglutir à ideia de transfigurar a cultura, principalmente, a europeia, conferindo assim, o caráter nacional.

“Preferimos a vanguarda porque ela visa corrigir os vícios e os hábitos de se assistir teatro normal, teatro repetido, teatro que deixa espectador e atores indiferentes. Preferimos aqueles momentos capazes de sacudir o sono do mundo, como lembrava, certa vez, o velho mestre Sigmund Freud. Pois que o mundo dorme.”

Pagu militou no Partido Comunista a partir dos anos 1930, protestando contra o Governo Provisório e participando ativamente de manifestações, como a greve dos estivadores, na cidade de Santos, em que foi presa pela polícia de Vargas, tornando-se a primeira presa política do país. Ao sair da prisão, em 1933, publicou seu romance Parque Industrial , considerado o primeiro romance proletário da literatura brasileira.

Pagu defendia a participação ativa da mulher na sociedade e na política. Em seus artigos, Pagu criticava as “feministas de elite”, e os valores das mulheres paulistas das classes dominantes. Ela cultivava o conhecimento. Para ela:

É preciso ter livros, ler livros, procurar livros, trocar livros, emprestar livros… A tarefa essencial de uma cidade que cultua a inteligência, de uma cidade que aspira a uma posição, é a de manter e cultivar o gosto pela literatura.

Ao lermos a fortuna crítica da Pagu, apelido conferido pelo poeta Raul Bopp, notamos um direcionamento em expor sua vida pessoal: a menina levada, adolescente que aborta, a mulher de relações sexuais prematuras, de casos extraconjugais. À essa biografia, concedem o adjetivo “turbulenta” ou “vanguardista”; e foi por meio desta, não pelos ideais políticos e literários, que Pagu se tornou conhecida e marcante na sociedade. Enquanto isso, seu livro mais conhecido “Parque Industrial” não é citado no rol de livros modernistas nos compêndios de literatura brasileira.

E quando pensamos numa relação Pagu e as mulheres a ela contemporâneas, essa crítica é ainda mais cruel: ela passa do movimento de exposição e invisibilidade para o de exaltação e segregação, corroborando com uma História ideologicamente comprometida com ideais patriarcais de isolar mulheres. Se pensarmos no imaginário sobre a mulher dos anos de 1920, certamente nos virá aquela imagem de “normalistas”, cujos primeiros direitos estavam lhes sendo concedidos por “homens”. Então nos aparece Pagu que, com sua rebeldia, dizem, se colocou “à frente de seu tempo”. Imagem esta que, no mesmo instante que a torna um ícone, apaga da História tantos passos dados por mulheres literatas e que lutavam por direitos políticos.

Embora tenha inaugurado um gênero na ficção brasileira – o romance panfletário – com a publicação de Parque Industrial (1932), não encontramos Pagu citada em livros como Formação da literatura brasileira, de Antonio Candido. Perguntamo-nos o que lhe falta para tanto, já que o romance entra numa linhagem que é típica da literatura brasileira – chamado “romance social” – e traz aspectos da antropofagia tão aclamada por modernistas, o que poderia lhe conferir o título como obra que fechou esse momento literário.

Pagu tratou de assuntos que muitas vezes feriam a visão moral do tempo; do que era esperado a uma jovem de sua classe, sua raça fizesse. “Pagu participava ativamente do grupo dos Antropófagos e da política nas décadas de 1930 e 1940, sem ter merecido figurar nos livros de História e Literatura que narram a Era Vargas e o Movimento Modernista Brasileiro.”, o que nos mostra e fundamenta a visão de que, apesar da frequente atividade que Pagu desenvolveu dentro da história política e literária do nosso país, a sua invisibilidade é diretamente ligada ao mesmo discurso que a expõe: um movimento de mitificação e exclusão.

Pagu denunciou as condições socioeconômicas em que viviam os proletários e desmistificou a figura feminina pala além do espaço doméstico.

Por tudo isso, ainda que pareça pouco, para muitos, Pagu figura entre as mais importantes escritoras deste país, digna de ter sua obra apreciada por quem foi o mais importante personagem dela: o povo brasileiro real”.


Jozivan Antero – Polêmica Patos

III Sarau Anayde Beiriz
III Sarau Anayde Beiriz
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