O aniversariante do mês dispensa qualquer tipo de apresentação. Sobre Paulo Freire, o Patrono da Educação Brasileira, não faltam excelentes textos, sobram homenagens, títulos de Doutor Honoris Causa e referência ao que escreveu. É um dos três teóricos mais citados no mundo. É difícil dizer que, se entre nós estivesse, estaria completando 100 anos, porque a vida e a obra de Freire se entrelaçam de tal forma que esta garante a eternidade daquela. O maior educador brasileiro de todos os tempos consagra-se na íntima e coerente relação que estabeleceu entre o que dizia/escrevia e sua prática. E é exatamente por isso que seu centenário representa, especialmente, respeito, reflexão, comemoração e gratidão. Por isso, este artigo é tecido com a voz de Paulo Freire, com seu brilhantismo, generosidade e grandeza.
O professor viveu em um Brasil que experimentou duas ditaduras, desafios econômicos constantes, disparidades sociais gritantes, analfabetismo criminoso e muitos outros entraves que sequelam o país até hoje. Pouco tempo depois de ver a possível implantação de seu método como política pública de educação, teve de se exilar em outros países, porque a ditadura civil militar, instaurada no Brasil na década de 1960, sabia que a alfabetização, o aprendizado ativo e a desconstrução da ideia de neutralidade na educação apontavam para a prática da liberdade, único suporte crítico e autônomo para lidar com a realidade, pois, segundo Freire, “A educação faz sentido porque mulheres e homens aprendem que através da aprendizagem podem fazerem-se e refazerem-se, porque mulheres e homens são capazes de assumirem a responsabilidade sobre si mesmos como seres capazes de conhecerem.” A educação partilhada e libertadora era a síntese de sua obra: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.” Sem a efetividade do conhecimento, nada faria sentido, e a escola, por sua vez, perderia sua razão de existir: “A Educação, qualquer que seja ela, é sempre uma teoria do conhecimento posta em prática. Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.”
O ponto de partida para Freire sempre foi a gigante e generosa alma de professor: “Me movo como educador, porque, primeiro, me movo como gente. A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria.” Sua relação com a leitura, pressuposto da formação humana de qualquer docente, era uma motivação de amor: “É preciso que a leitura seja um ato de amor.” Contudo, ele sabia que a tarefa de todo professor era árdua e, no Brasil, desrespeitada, facilmente desmotivadora, mas precípua: “Ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores. Isso nos mostra o reconhecimento que o trabalho de educar é duro, difícil e necessário.” A consciência da importância da educação movia Freire e era sua potência de viver: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.” Liberdade e educação, na obra freiriana, são sinônimos: “Ninguém liberta ninguém. As pessoas se libertam em comunhão. Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.”
Oportunamente, faço a última e não menos importante das citações escolhidas para este artigo, como homenagem a quem sempre expôs seu lado: “Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os impotentes significa ficar do lado dos poderosos, não ser neutro. O educador tem o dever de não ser neutro.” Isso dito, porque, há pelo menos três anos e, às vésperas de seu centenário, o Patrono da Educação deste país tem seu legado vilipendiado por brasileiros de extrema direita que o acusam de fazer uma doutrinação de esquerda, que não encontra respaldo algum na produção intelectual do professor. Contrariando as discussões ideológicas centralizadas na polarização política, o que Paulo Freire sempre preconizou foi a capacidade de transformação da educação democrática. Cem anos após seu nascimento, quando o mundo o reverencia, Paulo Freire ainda é pouco conhecido pelo seu povo. Talvez isso, somado à pequenez de caráter e ao frágil letramento, justifique esse vilipêndio. As ideias, a trajetória e a vida de Paulo Freire merecem materialidade e respeito, ontem, hoje e sempre.
Por fim, ainda me arrisco, por Freire, a uma reescrita do “Poeminho do Contra”, do terno Quintana:
Freire, todos esses que por aqui estão
tentando, TEN-TAN-DO, atravancar teu caminho,
Eles passarão… PAS-SA-RÃO!
TU ÉS PASSARINHO!
Professora Klitia Cimene
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