Dentre os elementos que compõem a História, existe um que, ao meu ver, é o mais fascinante: a capacidade de poder reescrevê-la. Dessa forma, podemos reparar as injustiças do passado, trazendo à tona novos fatos e, consequentemente, uma nova versão ou, talvez, a versão, ou melhor, os fatos. Assim, o que era velho e parecia sólido torna-se novo e mutável. Quantos de nós, por exemplo, aprendemos na escola uma lista de heróis nacionais e internacionais e suas representatividades no campo histórico? Para homenageá-los, foram erguidos monumentos suntuosos, estátuas gigantes foram alçadas e nomes de ruas foram batizadas. Tudo isso, com um objetivo: torná-los imortais!
Em todo esse contexto, existe uma grande discussão acerca de estátuas que são elevadas em praça pública com o fito de homenagear figuras que, na atualidade, não são mais vistas como heróis e sim, anti-heróis. Nesse sentido, cada nação constrói os seus mitos buscando fortalecer o seu caráter identitário, exaltando personagens muitas vezes controversos. Mas, no século XXI, figuras são questionadas e, por meio da análise de suas ações, comprova-se que o heroísmo que impera sobre os seus vultos, foi, na verdade, uma invenção bem construída daqueles que foram responsáveis por escreverem a história. De fato, algumas dessas construções heroicas eram, na verdade, escravocratas, exploradores e assassinos, portanto, não lhes cabe o heroísmo delegado. Existem lugares onde as estátuas desses personagens foram derrubadas. Esse ponto é o fato mais polêmico entre a sociedade e a comunidade acadêmica. Como exemplo disso, sob os gritos de assassino, no início deste mês de julho, a estátua de Cristóvão Colombo, na Colômbia, foi amarrada e derrubada e, em seu lugar, foi erguida uma bandeira dos povos indígenas.
No Brasil, as discussões mais acirradas referem-se às homenagens aos bandeirantes paulistas que são referências de um heroísmo fabricado pelas elites paulistas. Os monumentos mais destacados são a estátua do bandeirante Borba Gato, de Júlio Guerra, instalada na avenida Santo Amaro, e o monumento Bandeiras, de Victor Brecheret, localizado na praça Armando Salles de Oliveira, no Ibirapuera. Borba Gato fez fortuna caçando índios para serem escravizados no sertão brasileiro, durante o século XVII. Hoje, a estátua do bandeirante é cercada por grades e vigiada pela Guarda Civil.
O debate em torno dessas figuras contribui para a compreensão de um contexto histórico que possibilitou a construção heroica de colonizadores, escravocratas e exploradores que contém em seus anais vidas ceifadas, famílias inteiras assassinadas e seres humanos torturados a troco de ganâncias. Tais obras devem nos fazer lembrar de todas as atrocidades que foram cometidas aos povos vitimados e não a elevação a condição de heróis de quem as cometeu, estes, na perspectiva história, deveriam ser vistos como vilões.
O movimento de destruição dessas estátuas é internacional e tem como palcos principais os EUA, a Inglaterra e o Chile. A exaltação dos escravocratas contribui para a compreensão do racismo estrutural que é tão forte em nosso país. As ideias de que racionalidade é branca, de que o negro serve apenas para trabalhar e que o índio é um amante da natureza reforçam o ideário escravocrata. Nesse sentido, Suzane Jardim, se pronuncia, quando afirma que “A memória negra foi varrida, como a memória indígena foi varrida e ninguém questionou”. Pensando assim, é que aumenta cada vez mais as lutas antirracistas no Brasil e no mundo e, em meio a essas lutas, a demolição desses ícones. E você, é contra ou a favor da destruição dessas estátuas, ou melhor, desses mitos?