A Índia está prestes a ultrapassar a China como o país mais populoso do mundo este ano, segundo projeções das Nações Unidas, que estimam que a sua população poderia chegar a 1.425.775.850 em 14 de abril, ultrapassando, assim, a China nesse dia.
Mas quais são as implicações da Índia se tornar o país mais populoso do mundo? Para simplificar: este é o momento da Índia. Apesar dos seus problemas, da pobreza persistente, das tensões étnicas e da desigualdade de oportunidades e acesso à educação, a Índia é um país cheio de dinamismo, ideias, diversidade e mudanças. Com mais de dois terços de sua população em idade laboral, a Índia deve aproveitar esta oportunidade para crescer. E embora ainda haja muito desemprego e emprego informal, setores produtivos e indústrias estão a caminho da Índia – incluindo setores vitais como celulares e semicondutores – e a Índia está caminhando para se tornar a terceira maior economia do mundo até o final da década. A Índia também está expandindo sua infraestrutura, incluindo a construção de ferrovias de alta velocidade. A cultura indiana também está se expandindo globalmente; recentemente, a música Naatu Naatu, na língua telugu, do filme indiano RRR, desbancou as divas pop Rihanna, Taylor Swift e Lady Gaga no Globo de Ouro e ganhou na categoria Melhor Canção Original.
Outro fator importante é que a Índia está se tornando um importante player econômico e geopolítico, em vez de servir de tabuleiro para as teorias econômicas e geopolíticas de outros. Ela busca emular o modelo do leste asiático de impulsionar a indústria doméstica sobre o modelo de livre comércio apoiado pelo Ocidente. Em questões geopolíticas, a Índia reafirmou sua posição independente, em vez de apoiar o Ocidente ou a Rússia durante o conflito da Ucrânia, uma postura que lhe rendeu elogios até mesmo no Paquistão, um de seus rivais históricos, em sua busca por uma política independente. Com a crescente crença doméstica de que a Índia é de fato uma grande potência, os indianos cada vez mais afirmam que seu país deve seguir seus próprios interesses e que as outras grandes potências são rivais. Uma pesquisa recente da empresa Morning Consult mostrou que os indianos consideram os Estados Unidos a maior ameaça militar depois da China, inclusive à frente do Paquistão. O que se desenha é que, em vez de atuar como uma potência “equilibradora” entre os Estados Unidos, a Rússia e a China, a Índia passará a atuar como uma grande potência por si só.
No entanto, sustentar uma grande população não é fácil, e garantir que haja alimentos nutritivos, água e acesso a cuidados de saúde para todos é um desafio. O desemprego está aumentando, apesar do foco da Índia em expandir setores, incluindo a manufatura, para criar mais empregos. Ele atingiu o maior nível em três meses, 7,8%, em março desse ano, em meio à inflação acentuada e ao crescimento econômico em desaceleração. E o número de mulheres indianas na força de trabalho, que já consta entre as 20 mais baixas do mundo, vem diminuindo há anos.
Esse não é apenas um problema que aflige as mulheres indianas, mas um desafio crescente para as próprias ambições econômicas da Índia, se suas estimadas 670 milhões de mulheres forem deixadas para trás à medida que sua população se expande. A taxa de emprego das mulheres atingiu o pico de 35% em 2004 e caiu para cerca de 25% em 2022, de acordo com cálculos baseados em dados oficiais. No entanto, o Centro de Monitoramento da Economia Indiana (CMIE, em sua sigla em inglês), que usa uma definição mais restritiva para o termo emprego, constatou que, em 2022, apenas 10% das mulheres indianas em idade laboral estavam empregadas ou procurando emprego. O relatório apontou que apenas 39 milhões de mulheres estão formalmente empregadas, em comparação com 361 milhões de homens.
Outras preocupações estão concentradas principalmente nos estados menos desenvolvidos e mais pobres do norte da Índia, como Uttar Pradesh e Bihar, onde os índices de educação são mais baixos e a população está crescendo mais rapidamente em comparação com os estados do sul, que reduziram suas taxas de crescimento populacional mais rapidamente à medida que os índices de alfabetização melhoraram.
A marca histórica de se tornar o país mais populoso do mundo pode ter importantes implicações econômicas e sociais para o mundo – e pode eventualmente influenciar os fluxos comerciais e desestabilizar o equilíbrio de poder global, já que a população é um importante fator impulsionador da produtividade e crescimento econômico.
Além disso, como o país mais populoso e com uma das maiores economias e forças militares do planeta, é fato que a Índia abandonará o papel de coadjuvante e buscará seus interesses, valores e objetivos no cenário global.
Ricardo Medeiros – Internacionalista