Foram tornados públicos pela primeira vez, nesta quinta-feira (12), gastos detalhados do cartão corporativo da presidência da República durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL). As informações reveladas até agora mostram R$ 27,6 milhões em despesas nos quatro anos da gestão.
Os valores totais podem ser maiores, porque um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou R$ 21 milhões com o cartão da presidência apenas nos dois primeiros anos de mandato. Ainda também não há informações sobre os recursos públicos usados por Bolsonaro em viagens internacionais.
Em seu primeiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gastou R$ 22 milhões com cartão corporativo da Presidência. Já a também petistas Dilma Rousseff, na primeira gestão, registrou R$ 24,5 milhões.
Dos R$ 27,6 milhões gastos por Bolsonaro e que vieram à tona até o momento, chamam a atenção itens de luxo e outros que, a princípio, nada tem a ver com o exercício das funções públicas e do discurso de homem de gostos e modos simples propgados pelo próprio presidente, assessores e apoiadores. Além de hospedagens regulares em alguns dos hotéis mais caros do país, há uso de dinheiro público na compra de sorvetes e cosméticos.
Em cinco sorveterias foram feitas 62 compras, que somaram R$ 8,6 mil. Em uma única vez foram gastos R$ 540. Vale ressaltar que não há ilegalidade na compra de sorvete com o cartão corporativo, no entanto, esse recurso deve ser usado para ações fundamentais ao governo, principalmente em deslocamentos. A legislação não pede a obrigatoriedade de licitação, mas diz que os gastos devem seguir “os mesmos princípios que regem a Administração Pública – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, bem como o princípio da isonomia e da aquisição mais vantajosa”.
No caso, todas as sorveterias são de Brasília, assim como as 11 despesas em lojas com cosméticos, que somam R$ 1 mil.
Em um mercado gourmet de Brasília, foram realizadas 1,2 mil compras, somando R$ 678 mil. Também estavam em sigilo seis gastos com alimentação para animal, realizados em um pet shop de Brasília, entre fevereiro e abril de 2022, totalizando R$ 1,8 mil.
Em panificadoras os gastos em vários estabelecimentos passavam de R$ 10 mil – quase oito salários mínimos de uma única vez. Por 20 vezes ao longo do mandato de Bolsonaro, foram realizados gastos significativos em uma das filiais da padaria carioca Santa Marta.
As notas fiscais variam de R$ 880 (menor valor) a R$ 55 mil (maior valor), com média de R$ 18 mil. Ao todo, o estabelecimento recebeu R$ 362 mil do cartão corporativo da presidência. Um dos gastos – de R$ 33 mill – foi no dia 22 de maio de 2021, na véspera de uma motociata realizada no Rio de Janeiro.
Ao menos duas compras na filial da Havan no Distrito Federal foram feitas, totalizando R$ 460. Também foram adquiridos artigos em lojas de caça e pesca. A Havan é a loja de Luciano Hang, um dos empresários mais fiéis ao presidente, acusado inclusive de assediar moralmente funcionários para votar em Bolsonaro e aliados.
Para ver TV durante as férias de janeiro do ano passado, em São Francisco do Sul (SC), o então presidente da República gastou R$ 1,4 mil em serviço de antena parabólica – é o único gasto com assinaturas e periódicos que consta na fatura do cartão.
Há ainda informações sobre os gastos com as motociatas, que Bolsonaro afirmava não haver custo algum para o Estado, sendo tudo uma iniciativa de apoiadores, apesar de todo o aparato destinado para os eventos, além dos custos de hospedagem, transporte e alimentação.
Apenas em 9 e 10 de julho de 2021, quando agora ex-presidente estava na na Serra Gaúcha e em Porto Alegre, onde lidrou um passeio de moto, foram gastos R$ 166 mil no cartão corporativo, em 46 despesas, concentradas em hospedagem, alimentação e combustível.
Dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação
As informações foram conseguidas pela Fiquem Sabendo – agência de dados públicos especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI).
Um pedido feito em 18 de dezembro foi respondido na noite de 11 de janeiro, indicando um link em que constam os dados dos gastos do cartão corporativo de todos os presidentes da República desde 2003, início do primeiro mandato de Lula. Esse modelo de transparência não foi usado em gestões anteriores. Por exemplo, as despesas de Michel Temer só vieram a público a partir de um pedido feito via LAI.
A Fiquem Sabendo recebeu da Secretaria-Geral da Presidência da República os dados de gastos do cartão corporativo do ex-presidente Bolsonaro na última quarta-feira (11), a partir do pedido de informação de protocolo 00137.019649/2022-72. A partir de agora, tanto os gastos de Bolsonaro quanto de outros ex-presidentes estarão disponíveis no site do governo federal, neste link.
O pedido de informação foi registrado pela Fiquem Sabendo em 18 de dezembro de 2022, portanto ainda na gestão do ex-presidente, mas a resposta só chegou na noite de quarta. O governo federal hospedou os dados em seu repositório de informações desclassificadas em 6 de janeiro, sem fazer alarde.
Ao menos R$ 13,6 milhões foram desembolsados em hospedagem
Ao todo, constam no sistema 22 CPFs de servidores responsáveis pelas compras, mas apenas dois concentram a metade das notas fiscais. Dos 59 tipos de despesas feitas com o cartão, os gastos com hotel foram os que mais consumiram recursos. Ao menos R$ 13,6 milhões foram desembolsados em hospedagem: muitas vezes em locais de luxo, contrariando o discurso adotado muitas vezes por Bolsonaro, que afirmava ser contrário a esbanjar dinheiro público quando é possível optar pela simplicidade.
Na lista está o Ferraretto Hotel, em Guarujá (SP), onde o então presidente costumava passar momentos de descanso. Ao longo dos quatro anos, o estabelecimento recebeu R$ 1,46 milhão. Consultas na internet mostram que as diárias variam de R$ 436 (em promoção) a R$ 940. Assim, considerando um valor médio de R$ 500, o montante seria suficiente para mais de 2,9 mil diárias.
As dez maiores notas fiscais de despesas no cartão corporativo são de hospedagem, variando entre R$ 115 mil e R$ 312 mil. Mas chama a atenção na lista de gastos expressivos a presença de um acanhado restaurante de Boa Vista, em Roraima.
Estadão