Crescem denúncias de empresários chantageando empregado e fornecedores para votar em Bolsonaro

Em plena campanha eleitoral, crescem denúncias de que empresas estão ameaçando fornecedores e empregados com fechamento de postos de trabalho e redução de investimentos caso Lula vença a eleição presidencial. […]



Em plena campanha eleitoral, crescem denúncias de que empresas estão ameaçando fornecedores e empregados com fechamento de postos de trabalho e redução de investimentos caso Lula vença a eleição presidencial. Só de ontem para hoje, três casos chegaram ao conhecimento de órgãos como o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Defensoria Pública da União (DPU) – e se somam a uma série de denúncias do mesmo teor recebidas nos últimos meses. O tom de ameaça se repete nos três casos e caracteriza situação de assédio moral contra trabalhadores e fornecedores, além de possível crime eleitoral. 

A DPU apura duas denúncias recebidas nesta terça-feira (4). Uma delas diz respeito a uma carta enviada pela Stara, empresa que vende máquinas e implementos agrícolas, aos seus fornecedores. O documento, assinado pelo diretor administrativo financeiro da empresa, Fabio Augusto Bocasanta, diz que, “em se mantendo este mesmo resultado [vitória de Lula] no 2º turno, a empresa deverá reduzir sua base orçamentária para o próximo ano em pelo menos 30%”. A Stara é sediada em Não-Me-Toque, cidade do interior gaúcho. 

O segundo caso é da Extrusor, empresa de Novo Hamburgo (RS) que comercializa máquinas e peças para a indústria do plástico. Uma carta em  nome da empresa enviada aos fornecedores nesta terça-feira (4) afirma que, com Lula eleito, ela passará a funcionar apenas de forma virtual, cortando contratos. A Defensoria Pública da União (DPU) no Rio Grande do Sul está analisando as medidas cabíveis

A denúncia sobre a Stara chegou primeiro à ouvidoria da Defensoria do Estado do Rio Grande do Sul, que a encaminhou à DPU. Já o caso da Extrusor foi identificado pela DPU via redes sociais. No âmbito da Justiça do Trabalho, ambas as cartas configuram assédio moral, segundo o defensor público Daniel Cogoy, de Porto Alegre, responsável por acompanhar os casos.

“A gente vai atuar em duas frentes: por um lado vamos oficiar essas empresas, informando que essa atitude viola o direito fundamental de livre escolha de voto. Isso não pode ser feito. Por outro, vamos cobrar delas que se retratem perante os trabalhadores e fornecedores”, disse Cogoy à piauí. Além disso, segundo ele, a DPU está entrando em contato com o Ministério Público do Rio Grande do Sul e o Ministério Público do Trabalho (MPT) para que as duas instituições analisem se houve crime ou ilícito trabalhista e, sendo o caso, formalizem uma denúncia na Justiça contra as duas empresas. A DPU criou recentemente um observatório para receber denúncias de assédio moral e violência política. É possível também acionar o Ministério Público do Trabalho por meio do site, clicando na aba “denuncie”. 

A Extrusor afirmou na carta enviada hoje a seus fornecedores: “Prezando pela saúde financeira da nossa empresa e também da estabilidade dos negócios de nossos parceiros comerciais, nos sentimos na obrigação de informar que, caso os resultados da eleição se mantenham da mesma forma atual, ao fim do ano passaremos a nossa empresa da forma física para a forma virtual, mantendo nosso trabalho apenas na internet. Assim sendo, não teremos mais a necessidade de serviços, peças e insumos no comércio local.” Ao final da carta, assinada pelo administrador da empresa Vilson Mossmann, diz a Extrusor: “Agradecemos a parceria até o momento e continuamos com a confiança de um futuro melhor, que possa ser exemplo para nossos filhos e netos, baseado nas nossas decisões de hoje.” 

Na carta da Stara, datada de segunda-feira (3), o diretor Fabio Bocasanta deixa claro que o corte de “pelo menos” 30% no orçamento da empresa “afetará o nosso poder de compra e produção, desencadeando uma queda significativa em nossos números”. Ele atribui a decisão à “atual instabilidade política e possível alteração de diretrizes econômicas no Brasil” após os resultados vistos no primeiro turno da eleição para presidente.

Em vídeo publicado nas redes sociais da Stara na tarde desta terça-feira (4), o diretor-presidente da empresa, Átila Trennepohl, justificou a carta afirmando que a Stara “tem [como] prática comum todo segundo semestre, todos os anos, fazermos projeções para o próximo [ano], ou seja, para 2023 neste caso. E nós compartilhamos essas informações com nossos fornecedores para que eles possam se preparar, organizar suas empresas da melhor forma possível”. A piauí tentou contato por telefone e por e-mail com a Stara e o diretor que assinou a carta, Fabio Bocasanta, mas não teve retorno.

A reportagem também tentou contato por telefone e por e-mail com a Extrusor, com o sócio-administrador da empresa, Álvaro Silva, e com Vilson Mossman, que assina a carta, mas não obteve resposta até a publicação. O espaço segue aberto para eventuais manifestações das empresas e dos empresários citados.

Outro caso de coação de funcionários foi identificado em São Miguel do Guamá, a 140 km de Belém, no Pará, e chegou ao conhecimento das autoridades. Na manhã desta terça-feira (4), começou a circular na internet um vídeo de trabalhadores de uma empresa de cerâmicas sendo coagidos pelo patrão. Um empresário diz que, se Lula for eleito, suas três empresas irão fechar. “Eu sei que aqui nem todo mundo é Lula, mas nós tem que se unir para que ele não ganhe [sic]”, diz o patrão aos trabalhadores, que ouvem em silêncio. Ele ainda oferece 200 reais para cada funcionário se Bolsonaro vencer a eleição.

Responsável pela Coordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do MPT, a procuradora Adriane Reis afirmou que desde agosto denúncias desse tipo têm chegado ao órgão e estão sob investigação. “Constituem assédio moral e ofendem a liberdade de orientação política. Entendemos que há assédio eleitoral, que é uma espécie de assédio moral”, afirmou. A maioria das denúncias, segundo ela, está na mesma linha das cartas que circularam nos últimos dias. A procuradora disse que, em seu entendimento, ameaças desse tipo podem também configurar crime eleitoral – mas isso já está fora da esfera do MPT e exigiria atuação da Justiça Eleitoral. Aberta a investigação, a empresa pode ser chamada a firmar um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), se comprometendo a cumprir a lei e, a depender da gravidade, pagar indenização por danos morais, com ou sem retratação pública. Caso a empresa não queira fazer o TAC, o MPT entra com uma ação civil pública, mas aí a indenização sobe de valor. Outra punição possível é o aviso aos bancos públicos para que aquela empresa seja proibida de obter financiamento.

Em nota, o Ministério Público Eleitoral alertou que práticas como as descritas nas cartas e no vídeo caracterizam crime eleitoral. Estão citadas  em dois artigos do Código Eleitoral: o 299, que considera  corrupção eleitoral oferecer vantagens de qualquer tipo ao empregado para que ele vote em certo candidato; e o 301, que caracteriza como coação eleitoral usar grave ameaça (como demitir, cortar investimentos) para coagir alguém a votar num candidato. Nos dois casos, a pena máxima é de quatro anos de prisão.

Na quinta-feira (7/10), o dono da cerâmica localizada em São Miguel do Guamá, no Pará, firmou um termo de ajuste de conduta com o Ministério Público do Trabalho. Ele terá de pagar uma indenização de 150 mil reais e também publicar, em até 48h, um novo vídeo se retratando pelo ocorrido. A Polícia Federal indiciou o empresário por crime eleitoral e a Auditoria Fiscal do Trabalho identificou diversas infrações no ambiente de trabalho, como ausência de registro dos empregados e falta da utilização de equipamentos de proteção.


Folha de São Paulo